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sábado, julho 19, 2025

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Uma nação em processo deliberado de ‘estupidização’

*Marcos Machado

Num país onde um combo de pipoca com refrigerante no cinema pode custar R$ 124, o ingresso para uma partida de futebol no Maracanã chega a R$ 700, uma caldeirada de frutos do mar por aplicativo sai por R$ 239,90, uma pizza gourmet ultrapassa facilmente os R$ 120 e um combo de sanduíche com fritas e refrigerante, no “bomba”, bate nos R$ 85, a pergunta é: por que o brasileiro lê cada vez menos?

A resposta está além da simples questão financeira, embora ela ainda seja usada como principal justificativa. A mais recente edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil aponta que mais da metade da população brasileira (53%) não leu nenhum livro nos últimos três meses, o equivalente a 93,4 milhões de pessoas. Houve uma perda de 6,7 milhões de leitores desde 2019.

Ao mesmo tempo, o gasto com entretenimento imediato e consumo por impulso segue em alta. O brasileiro médio não hesita em torrar dinheiro em experiências de prazer instantâneo e de qualidade duvidosa. Nisso reside um diagnóstico mais profundo: a leitura não perde para o preço, mas para a escala de valores de uma sociedade que privilegia o passageiro, superficial, efêmero e vazio.

Ler exige tempo, paciência, silêncio e reflexão. É o contrário da lógica do clique, do stories de 15 segundos, do feed infinito. Como descreve o jornalista e escritor Ray Cunha, o Brasil não está apenas ficando ignorante: está sendo estupidizado em um processo deliberado e progressivo de rebaixamento da capacidade crítica e cognitiva da população.

Nas redes sociais, o debate é substituído por slogans. Nos lares, os livros dão lugar às notificações do celular. Nas escolas, o incentivo à leitura é tímido, quando não inexistente e, por parte do Estado, faltam políticas públicas sérias de incentivo ao livro e à leitura.

Cortina de fumaça

O argumento de que “livro é caro” não tem base: um bom exemplar pode custar de R$ 60 a R$ 100, mas o mesmo consumidor que se recusa a pagar isso por um livro, muitas vezes o paga sem hesitar por uma pizza gourmet ou um combo no fast food.

Isso mostra que o problema não é econômico, mas cultural. Não se prioriza o conhecimento porque ele não gera prazer imediato. A leitura ainda é vista por muitos como obrigação, ou mesmo como algo “chato”. O prazer da descoberta, do entendimento, da imaginação, do aprender e apreender, todos esses valores foram sendo erodidos.

A consequência é grave: menos leitura gera mais analfabetismo funcional, ou seja, pessoas que até decodificam letras, mas não compreendem o que leem. Isso afeta tudo: do voto à capacidade de entender uma notícia, de interpretar uma lei ou um contrato, de compreender o que está pagando em uma conta de luz estratosférica.

Pior: estamos diante de uma cultura onde a ignorância passou a ser celebrada como sinal de autenticidade, enquanto o pensamento crítico é ridicularizado como arrogância e, nesse ambiente, quem lucra é sempre o poder, seja político, econômico ou ideológico.

Urgência de lucidez

Enquanto uma pizza por delivery valer mais do que um livro, o Brasil continuará girando em falso. Precisamos resgatar o valor do conhecimento, formar leitores desde cedo, devolver o livro ao cotidiano da família e das escolas. Não como imposição, mas como descoberta, como processo de crescimento.

Ler é um ato de resistência e de retomada da consciência para deixar de ser massa de manobra. Num país onde o entretenimento fácil custa mais, e pesa menos que a construção do pensamento, não há futuro, apenas consumo, e onde só há consumo, sobra cada vez menos espaço para a consciência. https://clubedeautores.com.br/livro/quem-matou-o-portugues

*Jornalista profissional diplomado, editor do portal Do Plenário, escritor, psicanalista, cientista político ocasional autoproclamado, analista sensorial, enófilo, adesguiano, consultor de conjunturas e cidadão brasileiro protegido (ou não) pela Constituição Brasileira, observador crítico da linguagem e da liberdade

 

 

 

 

 

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