*Marcos Machado
De quase três milhões de estudantes que prestaram o Exame Nacional do Ensino Médio em 2024, apenas doze alcançaram a nota máxima na redação. Sim, você leu certo: doze, uma dúzia, somente. Doze, como os discípulos. É patético, é alarmante e, sobretudo, é revelador. O Enem, que há tempos deixou de ser um termômetro confiável da qualidade do ensino, hoje funciona mais como um raio-X de um sistema apodrecido, e que apodrece em silêncio, sob a conivência de autoridades e a apatia da sociedade.
Não é como se essa decadência tivesse chegado de repente. Em 2023, ainda houve 60 redações nota mil, um número ridiculamente baixo, mas que parece monumental se comparado aos resultados de 2024. Em termos percentuais, a diferença é um tapa na cara: de 0,0022% dos candidatos para meros 12 casos isolados, quase anedóticos, em um mar de mediocridade.
Nem adianta usar o argumento manjado do “tema difícil”. O problema é estrutural. A escola brasileira, principalmente a pública, está falida. A disparidade entre alunos da rede pública e privada é mais do que evidente. Dos 60 candidatos que obtiveram nota mil em 2023, apenas quatro vieram da rede pública. Quatro de 60. Isso não é exceção; é regra. Uma regra cruel, que expõe o abismo entre os que podem pagar por um ensino de qualidade e os que são jogados à própria sorte nas escolas sucateadas do país.
Resta a pergunta incômoda: o que, afinal, estão ensinando nas escolas públicas? Ou melhor, o que deixaram de ensinar? Porque leitura, interpretação de texto, pensamento crítico e escrita coerente claramente não estão na lista de prioridades.
A nota média da redação em 2024 foi de 641,6 pontos. A nota mínima? Quarenta. É um dado que fala por si. Estamos formando gerações de estudantes que mal conseguem concatenar ideias em um texto argumentativo, quanto mais defender um ponto de vista com clareza, consistência e domínio da norma culta.
Esse desastre não é fruto do acaso. É resultado direto de anos de negligência, de reformas educacionais feitas às pressas, de políticas públicas que não saem do papel e de uma cultura escolar que prioriza aprovação automática, conteúdo superficial e avaliações decorativas. O Brasil, há tempos, não ensina a pensar. Ensina a passar, e mal.
Se quisermos inverter essa curva vergonhosa, precisamos de mais do que discursos bonitos e promessas eleitoreiras. É urgente investir massivamente na formação docente, na valorização do professor, na infraestrutura das escolas e, sobretudo, em políticas de incentivo à leitura e à produção textual desde as séries iniciais. Leitura não é luxo; é base. Escrita não é dom; é prática. Ensinar a escrever exige tempo, método e responsabilidade.
A excelência na redação do Enem deveria ser um objetivo atingível por qualquer estudante minimamente preparado, independentemente de sua origem socioeconômica. Para isso, o ensino precisa voltar a ser prioridade, e não apenas no discurso. Não podemos continuar normalizando a catástrofe educacional ano após ano, como se fosse aceitável que um país inteiro naufrague em um mar de analfabetismo funcional.
O fracasso do Enem é o espelho do fracasso nacional, e esse reflexo deveria nos envergonhar profundamente.
*Jornalista profissional diplomado, editor do portal Do Plenário, escritor, psicanalista, cientista político ocasional autoproclamado, analista sensorial, enófilo, adesguiano, consultor de conjunturas e cidadão brasileiro protegido (ou não) pela Constituição Brasileira