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sexta-feira, dezembro 13, 2024

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Movimentos e partidos, uma relação entre a renovação e o fisiologismo

Magno Karl*

A última década pôs a sociedade brasileira em um impasse político poucas vezes visto anteriormente. A tensão que até então germinava silenciosamente explodiu, quando milhões de pessoas foram às ruas em 2013 e seguiram razoavelmente mobilizadas até o afastamento de Dilma Rousseff, em maio de 2016. Mesmo com pautas destoantes, variando da oposição ao aumento de preços do transporte público ao desejo de intervenção militar na política, os insatisfeitos rejeitavam com toda força o establishment político nacional, os seus membros e partidos. A mudança era talvez o único desejo comum que os unia.

Desses momentos, assim como da atenção quase contínua da sociedade aos acontecimentos que se desenrolavam nas ruas e telas de todo o país, começou a nascer parte importante dos novos movimentos políticos –associações cívicas de engajamento, discussão e formação de lideranças. Com orientações ideológicas distintas, os movimentos oferecem a seus membros um espaço de convivência, troca de ideias e informação, insumos importantes para a atuação política e que anteriormente já eram ofertados por outros grupos de perfis diversos, como sindicatos, conselhos de classe ou associações setoriais.

Nenhuma dessas organizações substitui, ou jamais substituiu, em ação ou em importância, os partidos políticos. Instituições fundamentais para o bom funcionamento da democracia representativa, os partidos são veículos centrais para a representação dos anseios de uma parcela da sociedade na política e fora dela. Nos países em que possuem liberdade para atuar livremente, os partidos costumam estar envolvidos em atividades de base, iniciativas de formação de quadros, formulação de políticas públicas e apresentação de candidaturas a cargos públicos, sempre guiados por um determinado conjunto de princípios político-ideológicos.

Independentemente do grau de desenvolvimento que podemos atribuir às instituições brasileiras, parece óbvio que nossos partidos estão distantes de preencher alguns desses requisitos. Longe da sociedade e quase sem representatividade junto às bases, os partidos brasileiros se atentam de forma geral ao último ponto dessa corrente de atuação, ou seja, focam seu trabalho excessivamente na apresentação de candidaturas durante o período eleitoral. Desta forma, na atual conjuntura brasileira, partidos e movimentos não são competidores, mas devem ser, por absoluta necessidade, forças complementares.

O movimento no qual milito, o Livres, nasceu de jovens liberais buscando abrigo partidário, onde nossos sonhos para um Brasil de economia aberta e sociedade tolerante fossem acolhidos.  Iniciada em 2016, nossa tentativa de refundar o PSL combinava uma plataforma social-liberal consistente e uma proposta inovadora de governança interna. A experiência foi abruptamente interrompida dois anos depois, quando a presidência do partido decidiu abrir suas portas a um político cuja história de apoio a ditadores e torturadores antagonizava nossos ideais liberais. A política brasileira, nos disseram, era assim mesmo. Mas nós, como muitos, não iríamos nos acomodar.

Dado nosso histórico, sempre nos pareceu evidente que o embate recente – quando estrelas partidárias direcionaram uma série de acusações aos movimentos políticos – era apenas uma questão de tempo. A percepção simbólica do poder em um partido é um jogo de soma zero: se alguém o ganha, outro, que o detinha anteriormente, deve perdê-lo. Entretanto, no caso em questão, essa percepção não poderia estar mais distante da realidade. Para os poucos partidos ainda vivos ideologicamente, os movimentos são grupos de apoio, parceiros em uma jornada em direção a uma política melhor, mais aberta, com mais mobilização e quadros mais qualificados.

O Brasil não é fácil de ser explicado. O refrão que amarra nosso atraso institucional à ausência de engajamento na discussão de temas importantes para a nação é repetido com certa razão. Uma democracia forte requer a existência de uma sociedade civil engajada e presente, mas nos acostumamos a acompanhar os acontecimentos de certa distância. Até políticos repetiam que participação popular era algo a se almejar, citando a vizinha Argentina e suas manifestações regulares como exemplo. Hoje, ao verem os movimentos trabalhando com atividades financiadas voluntariamente, sem uso de dinheiro público, a discussão é outra: como se atrevem a serem independentes, a não seguir instruções da burocracia partidária?

A questão, mais uma vez, fica cega ao ponto principal. Apesar de toda atenção da imprensa, apenas uma pequena parcela dos membros dos movimentos políticos acaba por se candidatar a um cargo público. Dos mais de 2500 associados ao Livres, por exemplo, apenas 47 se candidataram em 2018. A imensa maioria dos nossos membros deseja apenas construir um espaço de formação, debates e ação que possa contribuir com o avanço dos nossos princípios –liberais nos costumes e na economia—no debate público e em melhorias para a sociedade brasileira.

É inegável, porém, que os movimentos se tornaram atraentes para os políticos, ao oferecer uma plataforma menos contaminada pelo status quo –que permanece bastante impopular entre a população. Entre os brasileiros ouvidos pelo Datafolha, em uma pesquisa publicada em julho deste ano, 58% disseram não confiar nos partidos políticos. São homens e mulheres que veem partidos políticos como instituições pouco transparentes e ideologicamente indiscerníveis, responsáveis apenas pelo acesso de candidatos às urnas e pela gestão dos bilhões de recursos públicos dos fundos partidário e eleitoral.

A política brasileira precisa de caras novas, mas o acesso a ela ainda passa por caras velhas. Apesar da inequívoca manifestação da população pela mudança, os velhos comandantes dos partidos preferem que novas práticas na política sejam geradas sob o controle de quem ajudou a gerar as antigas. Desejam que ela venha sob as asas do status quo, de forma lenta, gradual e segura para quem comanda as máquinas partidárias. A adoção de ideais firmes e princípios que guiem sua abordagem em relação à sociedade e as normas que devem regê-la caminhou em passos muito mais lentos.

Mesmo contando com fundações estabelecidas e financiadas com dinheiro do contribuinte para esse fim, os partidos se desligaram da função de prospecção e educação de militantes, de gente comum que se associa para o avanço de um ideal. Tornaram-se siglas sem significado para eleitores e eleitos. Enquanto aguardamos que os partidos se reorganizem e tornem-se instituições mais transparentes, menos fisiológicas e mais identificadas com seus militantes, convertendo-se em casas de reflexão política e formulação de soluções para o país, deveremos continuar a ver movimentos políticos e outras alternativas de engajamento crescerem.

O sistema partidário permanece com os recursos públicos, com a prerrogativa de apresentar candidatos ao pleito eleitoral e com o monopólio da representação como bancada nas casas legislativas. A insegurança dos partidos é inexplicável, já que movimentos políticos não possuem estrutura ou recursos similares ao dos partidos e nem mesmo a pretensão de substituí-los. Mesmo assim, esse temor tem um fundo racional: quando uma instituição dá sinais de esgotamento, se falha em cumprir parte de suas funções, o cidadão busca instituições alternativas a ela. Caso não se aperfeiçoem, acabam substituídas.

Longe de serem partidos piratas ou clandestinos, os movimentos políticos hoje apenas cumprem seu papel no enriquecimento da democracia brasileira, fortalecendo a participação da sociedade civil nos temas políticos, estimulando o debate de questões relevantes e prestando serviços aos cidadãos, como fazem em qualquer sociedade livre, democrática e aberta.

 

*Magno Karl é cientista político e diretor de políticas públicas do Livres.

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