RAY CUNHA
No livro Elucidações do Além, o espírito Ramatis, psicografado pelo médium Ercílio Maes, revela que a aura de Grigori Yefimovich Raspútin era suja, negra como óleo queimado, típica de pessoas primitivas e de baixo nível moral, um espírito maligno, atrasado. O espírito Ângelo Inácio, psicografado por Róbson Pinheiro, afirma que Raspútin é uma entidade de alto nível no reino das trevas, especialista em política internacional, fomentando intrigas e guerras, reencarnando de vez em quando com missão específica, trabalhando para forças do atraso espiritual. Raspútin está encarnado atualmente no Brasil. Mas em quem?
São Petersburgo, Rússia, novembro. Jorge Bessa começou a contar, sentado no pátio da sua casa, no Lago Norte. Do jardim, vinha uma brisa refrescante, e seu cão, um enorme pitbull, dormia. Bessa chefiou a Diretoria de Contrainteligência, responsável pelo Contraterrorismo e pela salvaguarda de documentos sigilosos do Estado, da antiga Secretaria de Inteligência da Presidência da República, atual Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Fala fluentemente russo, a ponto de ter servido como espião baseado na Embaixada do Brasil em Moscou, durante a Guerra Fria. Seu interesse pela língua russa surgiu por uma razão singular: ele foi agente da Okhrana, a polícia secreta responsável pela segurança do tzar Nicolau II e a Família Imperial, encarnação na qual conviveu com Raspútin, o Mago Negro da Rússia.
– A neve cobria a cidade. Mesmo assim, resolvi dar um passeio ao cair da noite naquela cidade na qual eu me sentia estranhamente em casa. Hospedara-me em um hotel na Nevsky Prospekt, a principal avenida de São Petersburgo, que começa na Praça do Palácio, entre o Almirantado e o Hermitage, e termina no Mosteiro de Alexander Nevsky. Ela foi planejada pelo tzar Pedro, o Grande. Fazia muito frio, por isso procurei um bar, onde pudesse tomar uma boa talagada de vodka. Um chocolate quente também cairia bem. Aí, divisei uma lanchonete, mas estava fechada. Mesmo assim fui atraído para lá e chamei várias vezes, sem obter resposta. Continuei caminhando, mas alguma coisa me fez retornar e chamar novamente na lanchonete, inutilmente. Voltei a caminhar. Mas novamente algo me fez retroceder. E bati de novo à porta, com mais vigor, e então surgiu o rosto de uma mulher, avisando-me do óbvio, que o estabelecimento já estava fechado.
Bessa deu uma golada no seu drink de suco de taperebá com uma aguardente caseira, do sul de Minas.
– Porém, ela percebeu que eu era estrangeiro e que poderia pagar em dólar, o que a levou a abrir a porta e me atender. Preparou um chocolate quente e começamos a conversar como se nos conhecêssemos de muito tempo. Chamava-se Elizavieta. De repente, ela perguntou se eu conhecia a história da Rússia. Respondi, surpreendendo a mim mesmo, que conhecia a história da Rússia melhor do que a do Brasil. Ela perguntou se eu sabia alguma coisa sobre Raspútin. Sim! Aí, ela me convidou para entrar na casa e me conduziu a um quarto, mobiliado com simplicidade, com móveis antigos.
– Quando Raspútin chegou a São Petersburgo vinha sempre aqui para receber mulheres e transar neste quarto – disse Elizavieta.
Raspútin foi peça-chave na Rússia tzarista, participando ativamente do advento mais maléfico da história daquele país, e do planeta. Com o assassinato do tzar Nicolau II, os revolucionários russos chegam ao poder e instalam o comunismo na Rússia, criam a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a URSS, decretam o ateísmo de estado e começam a exportar o regime comunista para todo o mundo. Grigori Yefimovich Raspútin, o Monge Louco da Rússia, encarnou com o objetivo de destruir o Império Russo, que se tornou a Terceira Roma após a tomada de Constantinopla, em 1453, quando assumiu a liderança do Cristianismo Ortodoxo Oriental.
Raspútin era o anti-Cristo, um agente das sombras, com a missão, disfarçado de homem santo, de preparar o terreno para a eclosão de um dos eventos mais sangrentos e duradouros deste planeta de expiação: o comunismo, riscando Deus e as religiões do coração e das mentes do povo e escravizando-o sob o tacão dos tiranos.
Na passagem do século XIX para o XX, o mundo era ainda cheio de misticismo. Na Rússia, andarilhos esfarrapados eram considerados santos, e bastava que loucos se declarassem em contato direto com Deus para serem venerados e granjear seguidores ávidos por uma intermediação com Deus. A Rússia, a Terceira Roma, era o lugar e o momento certos para a semente do mal germinar e arrasar com a Humanidade.
Grigori Yefimovich Raspútin, que mudou seu nome para Grigori Yefimovich Novykh, veio ao mundo em 22 de janeiro de 1869, no povoado de Pokrovskoye, próximo à cidade de Tyumen, em uma família de roceiros. Seu sobrenome, Raspútin, era comum na Sibéria; trata-se de uma derivação de “rasputiye”, que tem o emblemático significado de “encruzilhada”. Para se ter uma ideia do apreço que seus conterrâneos tinham a Raspútin chamavam-no de Rasputstvo, que significa “libertinagem”. Chegou a frequentar a escola e aprendeu a ler, e leu a Bíblia e outros livros religiosos nas suas peregrinações por diversos mosteiros. Chegou a ir à Grécia e à Jerusalém, vivendo da doação dos fiéis, que consideravam santos esses peregrinos.
Aos 19 anos, casou-se com Proskovya Fyodorovna Dubrovina, com quem teve quatro filhos. Mas Raspútin gostava mesmo era de bebida alcoólica e de mulheres. Sua aparência era repugnante, os cabelos e a barba desgrenhados, porém seu olhar era hipnótico, exercendo poder magnético sobre as mulheres, que o desejavam e se entregavam a ele.
Raspútin era de estatura mediana, musculoso e magro. Seus braços eram desproporcionalmente longos, e, exatamente onde sua cabeleira desarrumada começava a crescer, havia uma grande cicatriz. Parecia ter uns quarenta anos e, com seu caftan, calças largas e botas de cano alto, parecia exatamente o que era – um camponês. Ele tinha um rosto baixo e comum, emoldurado por uma barba desgrenhada, feições grosseiras e nariz comprido, com pequenos olhos cinzentos e embaçados sob as sobrancelhas grossas. Embora afetasse um comportamento livre e fácil, alguém o sentia doente e suspeito. Parecia estar constantemente observando a pessoa com quem estava falando.
A escritora Elena Dzhanumova deixou suas impressões sobre Raspútin:
– Que olhos ele tem! Você não pode suportar seu olhar por muito tempo. Há algo de difícil nele; é como se você pudesse sentir a pressão física, embora seus olhos às vezes brilhem com bondade, mas quão cruéis eles podem ser e quão assustadores na raiva.
O major-general Konstantin Ivanovich Globachev, que foi chefe da Okhrana, a polícia secreta tzarista, em Petrogrado, nos dois anos anteriores à Revolução Russa de 1917, conheceu Raspútin, em 1915, e deixou suas impressões no seu livro The Truth of the Russian Revolution: The Memoirs of the Tsar’s Chief of Security and His Wife.
– Sua aparência era bastante áspera e séria. Seus movimentos tendiam a ser bruscos. Ele tinha uma voz suave e agradável, e seu discurso era o de um camponês comum, mas inteligente. A única coisa que não era agradável nele era que, quando ele falava com alguém, ele não os olhava nos olhos. Seus profundos olhos cinzentos disparavam para frente e para trás através da sala. Ele não me impressionou como uma pessoa dotada de um dom especial de profecias, como algumas pessoas afirmavam, mas não havia dúvida de que este era um homem com uma vontade forte, capaz de subordinar os outros à sua vontade; assim, ele me parecia um camponês comum, mas inteligente.
Globachev também se refere à influência que Raspútin exercia sobre as mulheres.
– A crença na santidade de Raspútin era tão forte que as mulheres beijavam suas mãos, tiravam comida de suas mãos sujas e toleravam de bom grado seus insultos e grosserias, considerando-se especialmente afortunadas com isso. Raspútin sempre foi afetuoso e terno com as novas mulheres que conhecia, a quem ele se referia como ainda não salvas, mas era especialmente rude com aquelas com quem já era íntimo. Não acho que ele favorecia uma mulher em detrimento de outra; ele não demonstrou nenhum amor verdadeiro por nenhuma de suas amantes. Sua atração por mulheres era simplesmente luxúria e depravação. Muitas vezes, quando estava entediado com seu harém de voluntárias, ele recorria a prostitutas de rua. Entre aquelas mulheres com as quais não tinha uma relação íntima, ele tentava seduzi-las com afeto e com sua habilidade de apelar para suas almas, criando uma aura de sua santidade e uma crença cega nele.
O primeiro-ministro do tzar, Piotr Arkadievich Stolypin, também descreveu Raspútin no dia em que o conheceu.
– Ele correu atrás de mim com seus olhos brancos leitosos e proferiu algumas citações enigmáticas e desconexas da Sagrada Escritura, gesticulou com as mãos de uma forma estranha, e senti despertando em mim uma aversão insuperável àquela monstruosidade sentada à minha frente. Mas entendi que essa pessoa possuía um grande poder de hipnose e que estava me dando uma impressão moral bastante forte, embora de repulsa.
Raspútin tentava o tempo todo hipnotizar as pessoas. Teffi, uma escritora russa bastante sagaz, faz um registro no livro Tolstoy, Raspútin, Others, and Me: The Best of Teffi, de 1924.
– E com um movimento rápido e obviamente já treinado ele silenciosamente estendeu a mão e tocou meu ombro. Como um hipnotizador usando o toque para direcionar a corrente de sua vontade. Pelo seu olhar atento pude ver que ele sabia exatamente o que estava fazendo.
Teffi permaneceu indiferente.
– Um espasmo percorreu seu ombro e ele soltou um gemido baixo. Rapidamente e com raiva ele se afastou de mim, como se de uma vez por todas. Mas um momento depois ele estava se inclinando para mim novamente.
De novo tentou agarrá-la e, ao ser repelido, outro espasmo percorreu seu ombro e ele soltou um gemido baixo. A cada vez que ele sentia que seu poder encontrava resistência, que a corrente energética de sua vontade não estava penetrando no alvo, ele sentia uma dor física. Ele tentava esconder tanto os espasmos em seu ombro quanto seu estranho gemido. A voz misteriosa, a expressão intensa, as palavras de comando, tudo isso fazia parte de um método experimentado e testado pelo mago negro, despertando nas pessoas uma mistura de curiosidade e medo, um desejo agudo de participar desse estranho mistério, ou seja, as pessoas queriam crer e serem hipnotizadas. Com efeito, só se pode hipnotizar as pessoas impressionáveis e que aceitam a hipnose; não se pode hipnotizar quem não o deseja.
O fato é que a aparência de Raspútin dependia da afeição ou da aversão de quem o via. Sujo, rude, de mau hálito, cabelos desgrenhados e mal-vestido, para uns; limpo e bem vestido, dentes impecáveis e hálito agradável, e modos gentis, para outros. Mas um relato importante, pela sua agudeza de percepção, é o de Joseph Vecchi, no livro The Tavern is my Drum, publicado na Inglaterra em 1948. Uma festa foi encomendada por uma certa princesa para homenagear Raspútin. Cerca de doze senhoras aristocratas acompanhadas por suas jovens e lindas filhas reuniram-se para homenageá-lo. Nenhum convidado do sexo masculino deveria estar presente. Vecchi comandou o famoso restaurante francês no Astoria Hotel em São Petersburgo e, para atender bem o homenageado famoso, durante dias ele esteve ocupado organizando os salões, enchendo-os de flores, planejando o menu e investigando os pratos favoritos de Raspútin, orientado pelo chef da corte.
– Por fim, uma carruagem fechada parou à porta e o gênio do mal da Rússia chegou! Ele deslizou pela porta principal do hotel com uma rapidez desconcertante e, quando me inclinei, ele me encarou. Recebi um choque definitivo, mas consegui controlar minhas emoções. Então este era o homem de quem toda a Europa falava; que segurou a Rússia firmemente nas garras da superstição e do terror; o puxador de cordas do arco nos bastidores. Este homem alto e magro com a barba suja e desarrumada, encimada por um nariz adunco como o bico de uma ave de rapina, e os olhos fulgurantes e brilhantes de um hipnotizador, ou mestre charlatão – Vecchi escreveu. – Cabelos escuros caíam em torno de suas orelhas e uma mecha desgrenhada caía sobre um dos olhos. Sua pele estava cinza de sujeira, seu casaco comprido grosso com graxa, e suas mãos, movendo-se em um gesto rápido e impaciente para minhas palavras de saudação, estavam sujas, com unhas roídas e enegrecidas. Em toda a sua pessoa havia algo de repulsivo, e isso não se devia apenas à impureza geral de seu corpo e vestimenta, mas sim como se ele exalasse uma aura de algo mau e sórdido. E, no entanto, apesar de tudo isso, havia uma certa qualidade de peso nele que me impressionou, mesmo naquele momento relâmpago. Não consigo definir o que quero dizer, mas uma aura de grande poder o cercava. Ele parecia (na falta de um termo melhor) estranho e alheio ao resto da humanidade. Diz-se que as pessoas trazem em seus rostos a marca de sua alma; e embora fosse certo que Raspútin não era um homem bom, ninguém que o visse pela primeira vez poderia ter duvidado de que ele era um homem poderoso. Um ser que, para o bem ou para o mal, teria seu efeito sobre todos e tudo com que entrasse em contato… e agora, como o petrel tempestuoso que anuncia a vinda da fúria dos elementos, a sombra do russo caíra agora sobre o Hotel Astoria.
Arremata Joseph Vecchio:
– Ao longo da noite o comportamento de Raspútin foi intolerável… Não consigo encontrar palavras para mitigar ou desculpar seu comportamento nojento. Quando ele comia era como um animal usando seus longos dedos parecidos com garras em vez de faca e garfo, agarrando a comida em seu prato e se empanturrando de uma forma muito vulgar, sem levar em conta os sentimentos das senhoras cultas que estavam à mesa com ele.
Raspútin aliviava a alma dos danados que o procuravam por meio de mais danação, na orgia.
– Só através de mim que você pode esperar ser salvo; a forma da sua salvação é esta: você deve estar unido comigo em corpo e alma; a virtude que sai de mim é a fonte de luz a destruir o pecado – pregava.
Assim, atraiu muitos seguidores, que consideravam a doutrina da bacanal altamente interessante, pois além de satisfazer suas necessidades sexuais ainda lhes garantia uma vaga no céu.
Mas agora vou falar um pouco sobre Nicolau II, o último tzar da Rússia. Ele nasceu no Quarto Azul do Palácio de Alexandre, no dia 6 de maio de 1868. Foi um homem fraco, talhado para pôr fim a um dos maiores impérios que já houve sobre a face da Terra. Apaixonado por sua mulher e filhos, foi marido e pai exemplar. Tímido, refugiava-se na vida doméstica e no contato com a natureza. Cresceu em um ambiente extremamente conservador, pois seu pai, o tzar Alexandre III, destruiu as reformas liberais iniciadas por seu avô, Alexandre II. O documento Diários e Cartas – Nicolau II – O último tzar da Rússia dá conta de que ele recebeu excelente educação, pois seus pais vislumbraram que os desafios que enfrentaria no século XX seriam completamente diferentes dos do século XIX. Desprovido de senso político, era de uma obediência cega à Igreja Ortodoxa Russa e tinha firme convicção de que a autocracia era a forma mais eficaz de governo, guiando-se pela recomendação do apóstolo Paulo: “Todos devem sujeitar-se às autoridades superiores, porquanto não há autoridade que não venha de Deus; e as que existem foram ordenadas por Ele. Portanto, quem se recusa a submeter-se à autoridade está se colocando contra o que Deus instituiu, e aqueles que assim procedem trazem condenação sobre si mesmos. Porque os governantes não podem ser motivo de temor para os que praticam o bem, mas para os que fazem o mal. Não queres sentir-se ameaçado pela autoridade? Faze o bem, e ela o honrará. Pois ela serve a Deus para o teu bem. Mas, se fizerdes o mal, teme, pois não é sem razão que traz a espada. É serva de Deus, agente da justiça para punir quem pratica o mal. Portanto é imprescindível que sejamos submissos às autoridades, não apenas devido à possibilidade de uma punição, mas também por causa da consciência. Por esta razão, igualmente pagais impostos; porque as autoridades estão a serviço de Deus, e seu trabalho é zelar continuamente pela sociedade. Dai a cada um o que lhe é devido: se imposto, imposto; se tributo, tributo; se temor, temor; se honra, honra. O amor no mundo agonizante”.
A esposa de Nicolau era uma princesa alemã chamada Alice Victoria Helena Louise Beatrice de Hesse-Darmsdat, que, ao se tornar tzarina, recebeu outro nome, Alexandra Feodorovna. Era odiada pela corte e pela população, pela sua origem alemã, tinha dificuldade em se expressar em russo e crença inabalável em Raspútin. Também era tímida. E hemofílica. O Casal Imperial já havia gerado quatro filhas, mas a falta de um filho tirava a paz da tzarina, pois no sistema monárquico de governo na Rússa tzarista o poder era transferido por herança estritamente ao filho, independentemente de seus traços de caráter ou doenças. Portanto, para a continuidade da Dinastia dos Romanov era necessário o nascimento de um herdeiro. Finalmente, em 12 de agosto de 1904, nasceu Alexei Nikolaevich Romanov, o tzarevitch, príncipe herdeiro do tzar. Mas Alexei nasceu com hemofilia, uma patologia conhecida então como a Doença dos Reis, fatal no início do século 20. A tzarina herdara a hemofilia da rainha Victória da Grã Bretanha, de quem era neta.
Alexei sofreu muito. Se ele batia com a cabeça ou batia com a mão ou o pé em uma cadeira ou mesa o resultado era um inchaço azul, doloroso e duradouro. Às vezes, gritava dia e noite, desesperando quem o escutava. Não podia andar de bicicleta nem jogar tênis; não podia fazer quase nada. Foi então que Raspútin entrou no jogo. Já gozando da fama de curandeiro, em uma sociedade extremamente mística e supersticiosa, foi apresentado pelo bispo Theophan, confessor de suas majestades, à princesa Militza Nikolaevna da Rússia, também conhecida como Milica de Montenegro, filha do Rei Nicolau I e esposa do irmão mais novo do grão-duque Nicolau Nikolaevich, o grão-duque Pedro Nikolaevich da Rússia, neto do tzar Nicolau I da Rússia, que foi o general comandante em chefe dos Exércitos Russos na frente de combate principal por ocasião da Primeira Guerra Mundial, sendo depois substituído pelo próprio tzar Nicolau II. Com a morte de Militza, o grão-duque se casou com a irmã dela, a princesa Anastásia do Montenegro. Ambas, muito interessadas em ocultismo, eram figuras influentes na corte. Foi assim que as irmãs apresentaram a solução salvadora para o caso de Alexei: um curandeiro siberiano que estava fazendo sucesso em São Petersburgo, o santo que salvaria o príncipe. Em 1 de novembro de 1905, a grã-duquesa Milica recebeu em sua casa o casal imperial, apresentando a Nicolau e Alexandra o fabiano que precedeu o comunismo, o Monge Louco da Rússia em pele de cordeiro: Raspútin. A tzarina havia se tornado uma mulher muito, muito devotada e vivia, com frequência, em estado de exaltação religiosa, e Anna Vyrubova, sua dama de companhia e confidente, já era, então, uma verdadeira escrava espiritual de Raspútin. Foi dessa forma que o agente do inferno foi introduzido na corte. O resto foi fácil. Acabou sendo chamado, em 16 de julho de 1907, para atender o filho do casal imperial, então com três anos de idade, que sofrera um sério acidente com hemorragia interna e encontrava-se em estado desesperador. Machucara-se na banheira, o que causou hemorragia interna, dor aguda e febre. Alexei estava à beira da morte e somente um milagre o salvaria. Foi aí que a tzarina se lembrou de Raspútin, que se encontrava em Pokrovskoe, na Sibéria, e pediu a Anna Vyrubova que lhe telegrafasse pedindo-lhe que rezasse pelo menino, o que foi feito. Raspútin respondeu ao casal imperial: “Deus ouviu suas preces. Não se aflijam. O pequenino não vai morrer. Não deixem que os médicos o incomodem muito”.
No dia seguinte, a hemorragia estancou e o tzarevich começou a se recuperar. A partir daquele momento, a fé da imperatriz em Raspútin se tornou inabalável e o casal imperial passou a pedir constantemente orações a Raspútin. Um dia, o tzarevich foi acometido de uma hemorragia nasal e novamente se encontrava à beira da morte quando, em desespero, a imperatriz chamou Raspútin. Ele entrou no quarto, fez o sinal da cruz sobre a cama, olhando atentamente para a criança moribunda.
– Não se assustem, nada vai acontecer – disse.
A criança adormeceu e no dia seguinte sentia-se como se nada houvesse acontecido.
Raspútin passou então a residir em um apartamento na rua Gorokhovaya – uma das principais vias do centro de São Petersburgo –, onde recebia de camponeses a aristocratas, que iam atrás de vantagens materiais – dinheiro ou indicação para cargos públicos ou promoções. Sempre que podia, seduzia mulheres e fornicava ali mesmo.
O Mago Negro da Rússia lembra-me Adolf Hitler. Ambos, em curto espaço de tempo, uma década e dois anos, conseguiram mudar o curso da História. O espírito Ramatís esclarece que o prana, ou Qi, ou bioeletromagnetismo, ou bioenergia, a essência vital, que em pessoas espiritualizadas apresenta uma tonalidade dourada, em pessoas de instintos primitivos e atividade psíquica de baixo nível moral e espiritual mostra-se enegrecida, caso de Raspútin e Hitler. Ramatís esclarece ainda que Raspútin desenvolveu o centro psicoenergético, ou chakra básico, que se localiza na base da espinha, avivando o fogo kundalíneo, proporcionando-lhe poder sobre as mulheres e também poderes de cura. Os grandes mestres do Yoga esclarecem que ao ativar o chakra kundalíneo isoladamente libera-se uma energia que conduzirá à satisfação de todas as paixões, mas o preço é alto, pois leva à explosão do orgulho e do sensualismo, empurrando o indivíduo à realização de seus mais negros caprichos. Ramatís esclarece ainda que o fogo kundalíneo, muito utilizado nas antigas escolas de magia negra da Caldeia, Assíria e Egito, era manipulado por sacerdotes que se apresentavam como “serpente vermelha” ou “filhos do dragão” e mantinham escolas secretas e atividades satânicas com o objetivo de dominar a Terra, agindo contra as forças da luz.
Às vezes, de tão bêbado, Raspútin não podia ir a palácio e estancava o sangue do tzarevich apenas falando ao telefone. As crises que acometiam o tzarevitch Alexei passaram a ser cada vez mais raras, alimentando a esperança de se realizar a previsão de Raspútin, de que se Alexei chegasse aos 17 anos ficaria curado. Porém, o Casal Imperial manteve o povo ignorante da doença do tzarevitch, o que o levou a pensar que Raspútin é quem mandava no império, e a todo tipo de fantasia, como a da tzarina ser amante de Raspútin, o que não era desestimulado pelo Monge Louco da Rússia.
Em 1913, o tzar Nicolau II celebrou o tricentenário da Dinastia Romanov, que governava há três séculos, com mãos de ferro, um império que se estendia da Europa Central ao Oceano Pacífico e do Ártico às fronteiras do Afeganistão, um sexto da superfície do globo terrestre e povoado por cerca de 150 milhões de pessoas, de mais de cem nacionalidades. Líderes socialistas exigiam reformas políticas. Mas Nicolau II acreditava que o absolutismo era vontade divina e que ele era o pai de todos.
A desgraça veio com a entrada da Rússia na Primeira Guerra Mundial, que se estenderia de 1914 a 1918. Em 1914, Raspútin se mostrou contra a entrada da Rússia na Primeira Guerra Mundial, afirmando que isso levaria o país à ruína. Isso desagradava aos aliados – a Grã-Bretanha em especial –, pois a presença da Rússia no front oriental contra a Alemanha era fundamental, já que isso fragmentaria o poderio bélico dos alemães contra os britânicos. Na Duma, a assembleia nacional russa, parlamentares, apoiados por membros da nobreza, inclusive por mim, então encarnado como o príncipe Félix Yussupov, lançavam violentos libelos acusatórios contra Raspútin. A tzarina Alexandra respondeu às reclamações sobre o poder de Raspútin apresentando uma legislação que limitava ainda mais o já restrito poder da Duma.
Em setembro de 1915, após várias derrotas, o tzar Nicolau II resolveu substituir o Grão-Duque Nicolau Nikolaevich, seu primo e neto do tzar Nicolau I, no comando dos exércitos russos na frente de combate principal, contra a Alemanha. Se o tzar não tinha competência nem para comandar a Rússia em tempos de paz, sua ingerência na guerra era garantia de afundar a Rússia. Pior, a tzarina Alexandra ficou no lugar dele no comando do governo, o que significava que Raspútin é quem passaria a governar o destino do país. Raspútin nomeava até ministro de Estado, atendendo a quem melhor o pagasse. Entre setembro de 1915 e fevereiro de 1917, a Rússia teve quatro primeiros-ministros, três ministros dos Transportes e quatro ministros da Agricultura. Nenhuma nomeação importante era feita sem a aprovação de Raspútin.
Pessoas sem nenhuma qualificação, e até débeis mentais, eram apontadas para os mais altos cargos, o que lembra, no Brasil, os governos do Partido dos Trabalhadores (PT), tanto no nível federal como estadual e municipal. Ministros que criticavam Raspútin ou que discordavam de suas ideias eram sumariamente demitidos. Raspútin assumiu o comando de quase todos os aspectos do governo em São Petersburgo, inclusive nos assuntos relativos à guerra. Examinava os planos para as campanhas em perspectiva argumentando que necessitava de mais detalhes para que pudesse orar por seu sucesso. Quanto aos exércitos russos, mal armados e treinados, eram trucidados pelo inimigo. Em 1915, dois milhões de soldados já haviam morrido no front. Nas cidades, rondava a fome, pois os trabalhadores do campo serviam de bucha de canhão nas batalhas. As deserções ocorriam aos milhares. O serviço de transporte e o fornecimento de alimentos e combustível foram completamente interrompidos.
Assim, a população começou a apoiar os soviets, conselhos de operários, que acusavam Alexandra e Raspútin de atuarem secretamente em favor do inimigo alemão e de corromperem o governo. Pior, o povo começou a acreditar firmemente que a tzarina era amante de Raspútin.
Foi no palácio do príncipe Félix Yussupov, às margens do rio Moika, que, na noite de 29 e madrugada de 30 de dezembro de 1916, foi tramado o assassinato de Raspútin. Por Yussupov, o conde Sumarokov-Elston, nobre russo de alta linhagem e herdeiro de uma das maiores fortunas da Rússia, e o grão-duque Dmitri Pavlovich da Rússia, primo de Nicolau e filho mais novo do grão-duque Paulo Alexandrovich. Dmitri tinha sido noivo da filha mais velha do tzar, Olga Nikolaevna, mas o tzar desconfiava de que ele era inclinado à homossexualidade, forçando o rompimento do noivado.
Vladimir Purishkevich era um político monarquista radical e extremista de direita, conhecido por ataques contra judeus, socialistas e anti-monarquistas. Yussupov já vinha acalentando o projeto de eliminação de Raspútin e, ao ouvir o discurso de Purishkevich na Duma, achou que havia encontrado um parceiro à altura para executar seu plano.
Em 3 de novembro de 1916, Vladimir Purishkevich alertou o tzar Nicolau II sobre o perigo que Raspútin representava para a coroa e sobre o descrédito que estava rondando a monarquia, afirmando que sua influência sobre a tzarina o tornara uma ameaça ao Império. Nicolau, como sempre fazia quando se tratava de advertência sobre Raspútin, se fez de mouco.
– Um obscuro mujique não governará mais a Rússia! – disse Purishkevich a Yussupov. – Enquanto Raspútin estiver vivo não podemos vencer.
O príncipe recrutou ainda o tenente Sergei Mikhailovich Sukhotin, um jovem oficial do Regimento Preobrazhensky, e o dr. Stanislaus de Lazovert, amigo e médico de Vladimir Purishkevich.
A partir daí, aproximou-se de Raspútin, por quem nutria aversão, mas precisava ganhar a confiança dele. Encontrou-o várias vezes durante os meses de novembro e dezembro de 1916, alegadamente para tratamento de saúde. Convenceu Raspútin de que não queria que sua família soubesse de sua amizade com ele e assim o encontrava em segredo. Seduziu-o inventando que sua esposa, a belíssima grã-duquesa Irina Alexandrovna, sobrinha do tzar, chegaria da Crimeia em meados de dezembro, e queria avistar-se com Raspútin para pedir orientação sobre problemas de saúde. Raspútin ficou interessadíssimo. Combinaram, então, que Raspútin se encontraria com ela logo depois da meia-noite de 30 de dezembro, após uma recepção no palácio do príncipe. Também foi combinado que Félix Yussupov apanharia Raspútin e o deixaria de volta à casa dele.
Foi decidido que o assassinato seria cometido entre a noite do dia 29 e as primeiras horas da manhã do dia 30, pois o apartamento de Raspútin não era vigiado depois da meia-noite pelos agentes da Okhrana. Yussupov apanharia Raspútin em seu apartamento à meia-noite e meia. A isca seria minha bela esposa, a grã-duquesa Irina Alexandrovna. O príncipe insinuou a Raspútin que ele poderia ter um encontro íntimo com ela. Irina se recusou a participar do plano e permaneceu na Crimeia, mas o plano continuou.
Por volta da meia-noite de 29 de dezembro, Raspútin trocou de roupa, vestindo uma camisa azul claro bordada com flores e calças de veludo azul. Havia combinado que o encontro era confidencial, mas contou a todo mundo que o príncipe Félix Yussupov iria apanhá-lo para levá-lo para uma noitada no seu palácio, localizado defronte a uma delegacia de polícia no Canal Moika.
Já era 30 de dezembro de 1916 quando o príncipe o levou ao seu palácio para tratar sua esposa de um problema de saúde, insinuando que ele poderia transar com ela. O dr. Lazovert serviu como motorista, usando o devido uniforme de chofer. Ao chegarem ao palácio foram diretamente para o porão, que estava em preparativo para ser transformado em sala de jantar. Raspútin começou a falar sobre a Primeira Guerra Mundial, mas não comia nem bebia nada do que lhe ofereciam.
Na área superior do palácio, Dmitri Pavlovich e Sukhotin tocavam músicas animadas em um gramofone, enquanto os demais conversavam e faziam barulho como se estivesse acontecendo uma recepção. Yussupov informou a Raspútin que Irina desceria assim que seus convidados fossem embora. Raspútin gostava de vinho, especialmente o Madeira. Misturaram cianeto de potássio, preparado pelo doutor Lazovert, ao vinho, bem como a doces e salgados servidos ao Monge Louco da Rússia. Alguns pastéis, arrumados estrategicamente, estavam sem veneno, para o príncipe comer, e, assim, dissipar suspeitas.
Finalmente, Raspútin começou a beber vinho e a comer os acepipes envenenados. Após duas taças de vinho e alguns bolos e salgadinhos ele comentou que sentia uma leve azia e começou a arrotar. Mas era tudo, embora a dose de veneno empregada desse para matar vários homens. Estava claro que para acabar com aquele demônio só mesmo com uma bala no coração. Assim, Yussupov empunhou o revólver de Dmitri Pavlovich e desceu as escadas. Raspútin estava olhando para um lindo armário de ébano.
– Grigory Iefimovich, seria melhor você olhar para o crucifixo e orar – disse o príncipe, antes de atirar.
Raspútin caiu e depois de alguns minutos estremeceu convulsivamente, ficando imóvel. Os demais desceram e comemoraram a morte de Raspútin. Foi aí que Yussupov percebeu que o olho esquerdo de Raspútin começou a se abrir. O diabo que havia sido envenenado e tinha uma bala no coração deve ter renascido dos mortos pelos poderes do mal. Raspútin se levantou e correu na direção de Yussupov, agarrando-o pelo pescoço e tentando sufocá-lo; Yussupov libertou-se e correu escada acima.
– Ele ainda está vivo!
Raspútin correu pelo pátio tentando fugir. Purishkevich sacou sua arma e disparou duas vezes contra ele, mas errou. E ante os olhos dos cinco homens o Monge Louco abriu as portas e correu para fora do palácio, atravessando os jardins cobertos de neve e deixando um rastro de sangue. Purishkevich tornou a atirar e Raspútin caiu soltando um rugido. O doutor Lazovert o examinou detidamente e confirmou sua morte. Na gelada madrugada enrolaram o corpo de Raspútin em um tapete, o amarraram e colocaram pesos para que o corpo não flutuasse no rio Malaya Nevka, perto da Ponte Bolshoi Petrovsky, em São Petersburgo, onde procuraram um buraco no gelo para despejar o corpo.
Bom, houve uma sexta pessoa envolvida na morte de Raspútin. Um inglês. Muito mais tarde, o material sobre o assassinato foi analisado por meio de novas técnicas forenses e foi aí que se descobriu que o corpo de Raspútin fora atingido por três tiros de armas diferentes: a primeira, a de Félix Yussupov; a segunda, de Vladimir Purishkevich; mas o tiro fatal, no centro da testa, saiu de uma Webley 455, pistola geralmente utilizada por oficiais do Serviço de Inteligência Britânico, o Secret Intelligence Service (SIS), também conhecido como MI-6. O tiro foi dado por um oficial de Inteligência britânico, Oswald Rayner, que também estava lá, no palácio. Félix Yussupov estudou com ele, em Oxford.
Pode-se dizer que ele foi o primeiro 007. Se o casal imperial tivesse ouvido Raspútin e permanecido neutro na Primeira Guerra Mundial, os alemães deslocariam mais 350 mil soldados contra os Aliados na Frente Ocidental. Contudo, a morte de Raspútin viera tarde demais, pois ninguém destruiu tanto a imagem do tzar junto ao seu povo quanto o Monge Louco. Em março de 1917, soldados desenterraram o caixão com os restos mortais de Raspútin e o queimaram.
A polícia apurou o caso. Assim que a notícia da morte de Raspútin se espalhou São Petersburgo explodiu em regozijo. A besta foi morta, o gênio do mal já não faria mais mal ao Império Russo. Em Moscou, o Hino Nacional foi executado em vários locais, bem como a frase “Deus salve o tzar”. Membros da corte pediram clemência ao tzar em favor do príncipe Félix Yussupov, considerando o assassinato um ato patriótico, e no quartel-general do comandante supremo do Exército todos se felicitaram com três beijos, como no dia da Páscoa, para comemorar a libertação da Rússia do jugo do anticristo.
O príncipe Félix Yussupov foi exilado por Nicolau II em Paris, onde viveu até os 80 anos, desencarnando em 27 de setembro de 1967. Meses depois do seu exílio grande parte da nobreza russa foi assassinada pelos revolucionários bolchevistas, os comunistas. Três meses após o assassinato de Raspútin, Nicolau II foi forçado a abdicar ao trono, e menos de dois anos mais tarde a família imperial e seus auxiliares foram fuzilados, na madrugada de 17 de julho de 1918, atendendo a uma ordem secreta de Vladimir Lênin, que seria o próximo, e mais sanguinário tzar.
Pois bem, Raspútin reencarnou no Brasil. Mas em quem?
Este texto foi adaptado do livro O CLUBE DOS ONIPOTENTES