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sábado, julho 19, 2025

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O controle dos pequenos “tiranos”

Marcos Machado

Circula por aí uma afirmação tão absurda quanto reveladora: o Brasil estaria tomado por 213 milhões de “pequenos tiranos”, ou little brazilian tyrants, na versão internacionalizada do deboche. A frase, além de desonesta, escancara uma tentativa cínica de desqualificar o cidadão comum que ousa opinar, questionar ou simplesmente participar do debate público nas redes sociais. Chamar de tirania o exercício da liberdade de expressão é inverter os papéis: os verdadeiros autoritários são justamente os que tentam calar vozes dissonantes em nome de um delirante bem maior.

O problema não está na ferramenta, rede social, mas no medo de quem perde o controle da narrativa. É disso que se trata a tentativa de transformar o povo em ameaça. Chamá-lo de tirano é apenas o verniz ofensivo de uma estratégia que visa desacreditar a própria ideia de opinião livre. Como dizia o escritor George Orwell: “A liberdade é o direito de dizer às pessoas o que elas não querem ouvir”.

Até meados dos anos 1990, a televisão e os jornais impressos, além dos noticiários do rádio, ditavam o que era ou não realidade, ou a verdade. O que não aparecia na tela da tevê ou nas manchetes dos jornais simplesmente não existia. Esse monopólio da narrativa começou a desmoronar com a chegada da internet ao Brasil, primeiro em meios acadêmicos, em 1991, e depois, em 1995, com a liberação do acesso comercial. Lentamente, o cidadão comum foi descobrindo um espaço onde podia buscar informações por conta própria, se comunicar diretamente com outras pessoas e, principalmente, expressar-se sem depender dos antigos filtros editoriais.

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Segundo o relatório Digital 2024: Brazil, produzido pela We Are Social em parceria com a Meltwater, o país conta atualmente com cerca de 144 milhões de usuários ativos em redes sociais, o que representa 66,3% da população. O brasileiro passa, em média, nove horas e 13 minutos por dia na internet, sendo três horas e 37 minutos dedicadas exclusivamente às redes. O país ocupa uma das primeiras posições no ranking global de engajamento online, atrás apenas das Filipinas e da África do Sul.

O ponto de inflexão veio em junho de 2013. As manifestações que tomaram as ruas do país surgiram nas redes sociais, cresceram em grupos de mensagens e foram alimentadas por vídeos de celulares. A imprensa tradicional não liderou a mobilização, apenas tentou, atônita, acompanhar o que já estava acontecendo. Foi nesse momento que o cidadão percebeu o próprio poder de articulação e voz. A partir dali, as redes deixaram de ser apenas vitrines de fotos e reencontros e se tornaram palanques improvisados, redações paralelas, tribunais populares, um novo ecossistema de debate público.

A mudança incomodou. Quando o cidadão comum passa a produzir, divulgar e comentar notícias, o filtro tradicional se enfraquece. O controle da narrativa escapa das mãos dos políticos e dos jornalistas. É justamente nesse novo cenário que surgem as tentativas de silenciar o “achismo”, os questionamentos e as opiniões populares, sob o argumento de que são perigosos. Mas perigoso, como alerta o jurista Ives Gandra Martins, é desrespeitar a Constituição: “A liberdade de expressão é cláusula pétrea, e sua restrição genérica ameaça diretamente o Estado Democrático de Direito”.

As mentiras oficiais, hoje, são desmascaradas em rede, nas redes, em questão de minutos, e isto, realmente, é muito perigoso.

A internet nunca foi, nem será, um espaço puro. Há mentiras, desinformações, exageros e manipulações, mas isso não é novidade da era digital, isso também acontecia sem a internet. A diferença é que hoje qualquer cidadão tem a possibilidade de falar, e muitos não querem mais voltar ao papel passivo de meros ouvintes ou leitores. As mentiras oficiais, hoje, são desmascaradas em rede, nas redes, em questão de minutos, e isto, realmente, é muito perigoso.

https://clubedeautores.com.br/livro/quem-matou-o-portugues

Segundo Platão e Aristóteles, os tiranos ganham o controle social e político pelo uso da força e da fraude. A intimidação, o terror e o desrespeito às liberdades civis estão entre os métodos usados para conquistar e manter o poder.

Acusar o povo de autoritarismo por usar sua liberdade é, no mínimo, explícita demonstração de desespero. Não estamos diante de uma multidão de tiranetes. O que vemos é uma população que, pela primeira vez, tem meios de contestar, e isso assusta quem sempre esteve acostumado a falar sozinho e a ditar o que era a verdade.

No fundo, a disputa é pelo poder de definir o que pode ou não ser dito, mas ao contrário do que supõem os nostálgicos da hegemonia midiática, não se cala mais uma nação com o controle de um canal. O Brasil conectado não é composto por pequenos tiranos, é formado por milhões de cidadãos que finalmente descobriram que podem falar, e não querem mais ser silenciados. Se nos tirarem as redes, improvisaremos. Uma coisa é certa: censura, nunca mais!

*Jornalista profissional diplomado, editor do portal Do Plenário, escritor, psicanalista, cientista político ocasional autoproclamado, analista sensorial, enófilo, adesguiano, consultor de conjunturas e cidadão brasileiro protegido (ou não) pela Constituição Brasileira, observador crítico da linguagem e da liberdade

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