RAY CUNHA
O jornalista carioca Rafael Freitas da Silva escreveu dois livros que resgatam nada menos do que a origem do povo brasileiro e da mais bela região metropolitana de todo o planeta, tendo como centro as cidades do Rio de Janeiro e Niterói: O Rio Antes do Rio (Relicário Edições, Belo Horizonte/MG, 2015, 472 páginas, quinta edição) e Arariboia – O indígena que mudou a História do Brasil – Uma biografia (Bazar do Tempo, Rio de Janeiro/RJ, 2022, 445 páginas).
Em O Rio Antes do Rio, Rafael fez uma pesquisa de tirar o chapéu e resgatou o Brasil no seu nascedouro, o início do século XVI, confirmando o que somos, uma nação primeiramente tupi e depois portuguesa e africana, e tudo começou no Rio. Quando os europeus começaram a visitar o litoral, havia, na Guanabara, cerca centenas de aldeias tupinambás, entre as quais a Carioca, a mais importante delas, situada à margem do Rio Carioca, que deságua na orla do Flamengo. As mulheres tupinambás eram bonitas e quando os europeus as viram andando nuas pelas praias ficaram doidos. Não demorou a surgir uma geração de mamelucos. Aí Estácio de Sá fundou o Rio. Mais mamelucos.
No século XVI, a Baía de Guanabara já era estratégica para os portugueses, daí porque Portugal tratou de exterminar os franceses da França Antárctica e fundar uma cidade. O Rio Antes do Rio vai até aí. Então entra Arariboia, que fundou Niterói. Só que Arariboia, que era também tupi, mas da etnia temiminó, aliada dos portugueses, lutou lado a lado de Estácio de Sá contra os franceses e os tupinambás, também tupis, mas inimigos dos lusitanos. Assim, Arariboia ajudou a fundar também o Rio de Janeiro.
Arariboia foi tão importante na construção do Brasil que recebeu do rei dom Sebastião o título de Cavaleiro da Ordem de Cristo, o nome de Martim Afonso de Sousa e terras que iam da praia do Gragoatá ao Rio Maruí, divisa de Niterói com São Gonçalo. Era um lambe-botas dos portugueses? Não! Foi o primeiro índio brasileiro a conversar com os colonos portugueses, que eram destemidos e perigosíssimos, olhando nos olhos, de igual para igual. E tinha visão. Sabia que os portugueses vieram para ficar, que viriam novos tempos.
No século XVIII, os portugueses encontram o que mais eles procuravam: ouro e diamante, em Minas Gerais, e o Rio de Janeiro passou a ser o local de embarque da produção para Portugal, e, naturalmente, a capital da colônia.
No século XIX, o então príncipe dom João fez o imperador da França, Napoleão Bonaparte, de otário. Quando o general Junot entrou em Lisboa para saquear Portugal, ainda viu os navios que levavam dom João e sua corte para o Rio de Janeiro. Foi uma jogada de mestre. Do Rio, dom João pôde organizar, juntamente com a Inglaterra, a resposta a Napoleão. Assim, o Rio passava a ser a capital do Império do Brasil, Portugal e Algarves.
É a cidade mais bonita do mundo, e, a cada ano, fica mais bonita ainda. Suas praias, montanhas e avenidas são de tirar o fôlego. E fica na região mais aprazível do globo, a zona tropical. É a cidade-luz do Trópico. Tanto que é a cidade que mais recebe turistas no Hemisfério Sul. Nela, só as pessoas muito estúpidas ficam olhando a cor dos outros. O Rio é moderníssimo e ninguém, que tenha mais de um neurônio, perde tempo com arrogância étnica. Lá, também, cada qual tem sua religião.
Em termos de Brasil, foi a partir de lá que o país começou a se tornar uma nação. De modo que o Rio de Janeiro é, para a civilização brasileira, o equivalente à Grécia para o Ocidente. Assim, o Rio é o maior difusor da cultura brasileira. Estácio de Sá, ao fundar o Rio, com ajuda de Arariboia, lançava a pedra fundamental do Coração do Mundo, Pátria do Evangelho.
Mas quando o presidente da República, o ministro da Infraestrutura, o governador do Rio e os prefeitos dos municípios banhados pela Baía de Guanabara resolverem realizar duas obras, então teremos uma cidade mais do que maravilhosa.
A Baía de Guanabara (seio do mar) tem 380 quilômetros quadrados, sua barra mede um quilômetro e 600 metros, e sua profundidade vai de 3, próximo às margens, a 8,3 metros, na altura da Ponte Rio-Niterói, e de 17 metros na entrada da barra. Desaguam nela dezenas de rios, que formam uma bacia de 4 mil quilômetros quadrados, banhando 17 municípios, com 10 milhões de habitantes. Dados do início da década de 1980 indicavam 5 mil indústrias jogando 460 toneladas de esgoto por dia na baía. Em vez de resolverem o problema, deixaram-no ampliar-se.
A baía agoniza, vítima dos esgotos domiciliares e industriais, além de derrame de óleo. Hoje, são mais de 14 mil indústrias, 14 terminais marítimos de carga e descarga de produtos oleosos, dois portos comerciais, estaleiros, duas refinarias de petróleo, mais de mil postos de combustíveis e uma rede de transporte de combustíveis, produtos industrializados e matérias-primas jogando lixo diariamente na baía. Dos 260 quilômetros quadrados originalmente cobertos por manguezais no entorno da baía sobram 82 quilômetros quadrados, hoje.
Durante os Jogos Olímpicos de Verão de 2016, no Rio, constatou-se que as praias dentro da baía contêm adenovírus, rotavírus, enterovírus e coliformes fecais. A Lagoa Rodrigo de Freitas é um esgoto. Em janeiro de 2000, vazaram para a baía 1,3 milhão de litros de óleo. Foi uma mortandade só de peixe. Antes, em março de 1975, foram 6 milhões de litros de óleo. Além de esgoto, a Baía de Guanabara é também um cemitério de embarcações abandonadas: 78, atualmente.
O prejuízo para o Estado, na saúde, no turismo e no transporte, é de pelo menos 50 bilhões de reais ao ano. Com 15 bilhões de reais se despolui da baía. Sabe-se que é no Rio que o poder público mais rouba no Brasil. É fácil confirmar isso. Até a mídia adestrada é obrigada a publicar isso de vez em quando. De modo que há dinheiro na burra.
Outra obra que tornaria o Rio ainda mais maravilhoso é o metrô ligando-o a Niterói por debaixo da Baía de Guanabara, como Paris é ligada a Londres por trem, com um trecho submerso de 37,9 quilômetros de extensão por debaixo do Canal da Mancha, a até 75 metros de profundidade, de Folkestone, no Reino Unido, a Coquelles, na França. A construção do Eurotúnel começou em 1988 e foi inaugurado em 6 de maio de 1994. Custou 4,650 bilhões de libras esterlinas.
O túnel por baixo da Baía de Guanabara, da Praça XV, no Rio, à Praça Arariboia, em Niterói, beneficiaria em torno de 750 mil passageiros, diariamente. Sua construção não teria que desapropriar terrenos. De modo que se houver vontade política para estancar a roubalheira e melhorar o transporte viário do Rio-Niterói haverá dinheiro de sobra. Com a despoluição da Baía de Guanabara e metrô por debaixo dela o Rio-Niterói, que já é a cidade do Hemisfério Sul que mais cintila, ficará ainda mais maravilhosa.