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quarta-feira, maio 14, 2025

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A morte lenta do imperativo

*Marcos Machado

Recentemente, houve grande polêmica em torno da tentativa de mudar a cor da tradicional camisa da seleção brasileira de futebol, a famosa “seleção canarinho”, do azul para o vermelho. As reações contrárias vieram de todos os lados, com base na defesa da identidade nacional, e com razão. Seria ótimo ver o mesmo empenho quando se trata de proteger outro símbolo ainda mais profundo da nossa identidade: a Língua Portuguesa.

O que está acontecendo com o idioma é um processo de deterioração lenta e silenciosa, mas constante. Um verdadeiro verbocídio, causado pela ideia equivocada de que “o importante é ser entendido”, como se a clareza dispensasse a correção. Isso tem provocado o enfraquecimento dos tempos verbais, principalmente do modo imperativo, aquele que expressa ordem, convite ou instrução clara. Como é possível entender corretamente uma mensagem se quem a transmite não usa as formas verbais adequadas?

Sempre alerto meus orientandos: é preciso atenção na hora de falar e escrever. Um erro pode passar despercebido por quem teve pouco acesso à educação formal, mas incomoda muito a quem estudou além da quinta série.

A mudança na linguagem, quando acontece de forma natural, reflete a transformação do cotidiano e das relações sociais, mas o que vemos hoje é diferente. A substituição de formas corretas por erros grosseiros tem sido mecânica, repetida e, muitas vezes, proposital. Basta observar os equívocos em legendas de filmes, comerciais de TV e até campanhas publicitárias de grandes empresas. Essa repetição frequente leva à aceitação, como se fosse o novo “normal”. No entanto, não é uma adaptação espontânea, é uma imposição que, ao alterar o idioma, mina aos poucos a própria identidade cultural do país.

O caso da camiseta vermelha foi mais agressivo e obteve resposta instantânea. Já o idioma…

Pela qualidade do Português, tenho a impressão de que o café é uma droga

Um exemplo recente foi uma propaganda de uma rede atacadista sobre café colombiano. Ao final do anúncio, a apresentadora diz: “Não perde mais tempo, vem…”. A frase soou errada, e com razão: o correto seria “Não perca mais tempo, venha…”, já que a intenção era convidar os consumidores a irem até a loja, e não afirmar que eles já estavam indo. Pode parecer um detalhe, mas é exatamente nesse tipo de descuido que o imperativo vai morrendo.

Pela qualidade do Português, tenho a impressão de que o café é uma droga. Ops, não literalmente.

Outro caso frequente está nas redes sociais: os famosos “segue” e “compartilha”, que aparecem como chamadas para ação. Porém, nesses contextos, o verbo deveria estar no imperativo — “siga” e “compartilhe” — para fazer sentido. Afinal, trata-se de um convite, não de uma constatação.

Para entender melhor o impacto disso, basta imaginar uma conversa em francês com um nativo, usando tempos verbais errados ou expressões desconexas. A língua, para eles, é um patrimônio. O mesmo se aplica aos italianos, espanhóis, alemães. Em muitos países, o idioma é tratado com respeito, pois representa a alma da nação.

Por aqui, infelizmente, ainda não é assim. Se a tentativa de mudar a cor da camisa da seleção causou tanta indignação, quem sabe um dia uma tentativa de “pintar” a Língua com os mesmos desvios também desperte uma reação à altura.

*Jornalista profissional diplomado, editor do portal Do Plenário, escritor, psicanalista, cientista político ocasional autoproclamado, analista sensorial, enófilo, adesguiano, consultor de conjunturas e cidadão brasileiro protegido (ou não) pela Constituição Brasileira

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