*Marcos Machado
A empatia é celebrada como virtude máxima da convivência social, mas é preciso distinguir o que é a compaixão autêntica e que é a tolerância conivente com a indolência. A generosidade que se fundamenta em princípios éticos e espirituais não pode ser confundida com a manutenção de vícios sob o pretexto de bondade. Ajudar o próximo é um valor universal, mas alimentar a preguiça alheia sob o manto da empatia é trair o próprio espírito do auxílio.
Vou insistir com a tradição bíblica, que é clara quanto ao valor do trabalho. Em IITessalonicenses 3:10, o apóstolo Paulo declara: “Se alguém não quiser trabalhar, também não coma.” Trata-se de uma exortação direta contra a indolência, ou apatia voluntária, uma advertência àqueles que se aproveitam da caridade sem disposição para contribuir, os parasitas sociais.
Paulo não nega o sustento aos incapacitados ou necessitados legítimos, ao contrário. A Bíblia está repleta de mandamentos para amparar as viúvas, os órfãos, os incapacitados e os estrangeiros (cf. Deuteronômio 24:17-22), mas com base na sua real vulnerabilidade, não na comodidade.
Ao longo dos textos sagrados, o trabalho é visto como bênção, não castigo. Desde o Gênesis, quando Deus entrega a Adão a tarefa de cultivar o jardim, até os Provérbios, onde a preguiça é retratada como ruína certa (Provérbios 6:6-11), o esforço pessoal é exaltado como expressão da dignidade humana.
Não é tarefa da compaixão alimentar a preguiça de quem escolhe não agir, mas de sustentar quem não pode agir
Na filosofia clássica, especialmente em Aristóteles, a excelência do ser humano está associada à prática da virtude, e isso inclui a diligência. Para Aristóteles, a areté (virtude) está no meio termo entre dois extremos. A ociosidade crônica, nesse sentido, é um vício por deficiência. A eudaimonia (bem-estar, ou felicidade plena) se alcança pelo exercício das potências da alma em conformidade com a razão, o que implica esforço, hábito e ação.
Platão via na alma desordenada, entregue aos prazeres e à preguiça, uma ameaça à harmonia da pólis. A justiça social dependia, entre outras coisas, de que cada um cumprisse sua função segundo sua capacidade, e não de que ociosos fossem sustentados por produtores.
Na literatura, há críticas contundentes à complacência com a indolência. Dostoiévski, em Memórias do Subsolo, mostra como o autocomplacente, mesmo quando é miserável, muitas vezes manipula os sentimentos alheios para manter sua condição. George Orwell, em A Estrada para Wigan Pier, distingue claramente entre os trabalhadores empobrecidos por circunstâncias econômicas e os que vivem na inércia por escolha ou vício.
Inclusive, na tradição cristã moderna, Clive Staples Lewis (C.S. Lewis) advertia que a caridade sem discernimento pode se tornar injustiça disfarçada. A compaixão verdadeira exige responsabilidade. Sem isso, o que se alimenta não é a dignidade do próximo, mas sua dependência.
A empatia, enquanto valor, não pode ser cega. Ela deve ser acompanhada de juízo moral. Atender os necessitados, como ensina a tradição judaico-cristã, implica reconhecer a real carência, física, emocional ou espiritual. Não é tarefa da compaixão alimentar a preguiça de quem escolhe não agir, mas de sustentar quem não pode agir.
Ajudar o outro não é torná-lo refém da ajuda. A empatia autêntica busca a elevação do outro, não sua estagnação. É uma ponte para a liberdade, não um alicerce para a inércia. Ser compassivo não é ser ingênuo.
É nobre estender a mão ao próximo, mas é covarde deixar que a mão estendida se transforme em muleta eterna. A diferença entre necessidade e preguiça está na raiz moral da ação. Ajudar quem não pode andar é justo; carregar quem se recusa a caminhar, mesmo tendo pernas, é injustiça contra os que caminham com esforço. Empatia deve ser virtude aliada ao discernimento, não à conivência.
Diga não à preguiça, própria ou alheia.
*Jornalista profissional diplomado, editor do portal Do Plenário, escritor, psicanalista, cientista político ocasional autoproclamado, analista sensorial, enófilo, adesguiano, consultor de conjunturas e cidadão brasileiro protegido (ou não) pela Constituição Brasileira