*Marcos Machado
Segundo dados do INAF (Indicador de Alfabetismo Funcional), cerca de 29% da população brasileira é composta por analfabetos funcionais. Estamos falando de aproximadamente um terço da população, pessoas que, embora saibam ler frases curtas e escrever palavras básicas, não conseguem compreender um texto simples ou interpretar informações cotidianas como rótulos de alimentos, bulas de remédio ou uma fatura de luz.
Esse dado, por si só, é suficiente para demolir qualquer pretensão de que vivemos em uma democracia plena. Afinal, como sustentar a ideia de participação popular quando milhões de brasileiros não têm autonomia intelectual para compreender as promessas dos políticos ou os impactos das leis que os afetam diretamente?
Desde a chamada redemocratização do país nos anos 1980, o Brasil adotou um modelo educacional baseado em teorias pedagógicas modernas, muitas delas importadas e aplicadas sem qualquer critério de adaptação à realidade nacional. No papel, tudo pareceu inovador: pedagogia do afeto, ensino construtivista, valorização da diversidade. Na prática, o que se viu foi a substituição do conteúdo pelo improviso, da exigência pelo conformismo e da alfabetização pelo mero letramento superficial.
Comparando o Brasil com outros países de desenvolvimento similar, temos o Chile que apresenta 4% de analfabetismo funcional, segundo dados da UNESCO e do Ministério da Educação local. A Polônia, após reformas profundas na década de 1990, reduziu seu índice para menos de 3%. Coreia do Sul, com políticas severas de valorização do professor e foco no conteúdo, hoje tem menos de 1% de analfabetismo funcional.
O contraste é evidente: o Brasil não progride por falta de capacidade, mas por falta de vontade política e responsabilidade pedagógica.
quanto mais alienada a massa, mais previsível se torna o resultado das urnas
Democracia pressupõe participação consciente, e não apenas o direito de votar. No entanto, em um país onde quase 30% da população não consegue entender sequer o que assina, o que lê ou o que ouve, a democracia se transforma numa vitrine de faz de conta. Eleições viram reality shows. Candidatos se resumem a slogans marquetizados, e a manipulação política encontra terreno fértil em corações bem-intencionados, mas mentes desarmadas.
Como esperar consciência de voto de alguém que não entende a diferença entre juros simples e compostos, entre PIB e inflação, entre um plano de governo e uma peça publicitária? A fragilidade educacional não é um acaso. Ela interessa aos poderosos, pois quanto mais alienada a massa, mais previsível se torna o resultado das urnas e mais fácil se torna a manutenção do status quo.
O que fazer? É preciso ir além da crítica e propor caminhos, como alfabetização real e não apenas letramento: retomar o ensino de base com foco em leitura, interpretação, lógica e cálculo. Formação sólida de professores, com valorização da carreira e filtros reais de qualidade. Conteúdo acima de ideologia, ou seja, abandonar projetos pedagógicos que sacrificam o conhecimento em nome de discursos identitários, muitas vezes descolados da realidade dos alunos. Gestão escolar eficiente, com metas mensuráveis e consequências para o não cumprimento.
A verdade incômoda é esta: um povo incapaz de compreender um texto é um povo incapaz de se libertar, de viver, de fato, uma democracia. Enquanto a educação for tratada como um campo de experimentos ideológicos, o Brasil continuará sendo uma democracia apenas no nome, ou pior: um pasto eleitoral com urnas eletrônicas.
A quem interessa isso?
*Jornalista profissional diplomado, editor do portal Do Plenário, escritor, psicanalista, cientista político ocasional autoproclamado, analista sensorial, enófilo, adesguiano, consultor de conjunturas e cidadão brasileiro protegido (ou não) pela Constituição Brasileira