Marcos Machado
Estamos na era paradoxal. De um lado, jamais tivemos tanto acesso à informação; de outro, raramente se viu tanta resistência ao conhecimento de fato. A facilidade com que se emitem opiniões hoje tem promovido, não raro, a substituição do saber pelo achismo.
Antes de prosseguir, vamos ao sentido das palavras. “Asno”, como nos recorda a Etimologia, refere-se não apenas ao animal, mas também a quem se mostra ignorante e pedante. “Empavonado” designa aquele que, sem ter razão concreta para tal, exibe-se com vaidade excessiva. São termos antigos, mas descrevem com precisão um fenômeno muito atual.
A figura do “asno empavonado” se tornou recorrente. É o indivíduo que, munido de pouca ou nenhuma formação intelectual, manifesta-se com absoluta certeza sobre os mais variados temas. Economia, ciência, direito, saúde pública… não há limite. Sua confiança vem da repetição de frases feitas, manchetes enviesadas e opiniões duvidosas, não do conhecimento.
Se confrontado com dados, estudos ou argumentos sólidos, a resposta não é o debate construtivo, mas a negação automática. A ignorância, em muitos casos, vem acompanhada de arrogância e essa mistura torna impossível qualquer tentativa de diálogo sério. Contra o asno empavonado, não bastam provas: elas serão ignoradas ou reinterpretadas conforme a conveniência de sua crença. Aqui, adianto outro tema que abordarei futuramente: crença não é ciência, e achar não é saber.
A ignorância, quando somada à vaidade, gera um tipo especial de demência: a idiotice assertiva
O asno empavonado não leu nada. Não estudou nada. Não sabe nada, mas fala, e como fala. Sabe da existência de livros por ter visto na prateleira. Sua incontinência verborrágica recorrente surge como se tivesse acabado de sair de uma tese de pós-doutorado na Universidade do WhatsApp. Nunca ouviu falar de Platão, mas opina sobre metafísica, política internacional, economia monetária e vacina de RNA mensageiro com a convicção de um Oráculo.
A ignorância, quando somada à vaidade, gera um tipo especial de demência: a idiotice assertiva. O sujeito não apenas não sabe, ele não sabe com orgulho e qualquer tentativa de lhe expor a falácia resulta num esbravejar histérico, carregado de slogans de campanha e memes desidratados. Argumentar com ele é perda de tempo.
O Asno empavonado está em toda parte. Está nas redes sociais, nos grupos de família, nas lives de autoajuda política, nos podcasts de supostos “formadores de opinião”, nas rodas de debate na tevê e, o mais trágico, está no poder. Elege-se. Dá entrevistas. Redige leis. Forma opinião. Forma opinião!
Contra ele não há dados, nem lógica, nem razão. Mostre-lhe vídeos, gráficos, provas documentais e ele sempre responderá com a soberba de quem aprendeu tudo o que precisava saber no meme do Instagram. Ele não quer saber a verdade, quer apenas manter intacto o brilho de sua plumagem imaginária.
O asno empavonado não é apenas um idiota, é um símbolo da decadência cultural, um monumento ambulante à falência da educação e da inteligência coletiva.
Neste momento em que a superficialidade ganha aplausos fáceis, é preciso reafirmar o valor do conhecimento sério. A vaidade intelectual, quando não acompanhada de conteúdo, é apenas um verniz: brilha por um instante, mas se dissolve ao menor toque da realidade.
Não se trata de calar opiniões, mas de resgatar critérios. Nem toda fala é válida só porque foi dita em voz alta. Nem toda convicção é verdadeira apenas por ser repetida com ênfase. A responsabilidade de opinar deve vir acompanhada do compromisso com a verdade.
É urgente distinguir entre quem busca compreender e quem apenas quer se impor. Entre quem estuda e quem apenas acha alguma coisa e, sobretudo, entre o saber autêntico e a teoria do nada, essa que infla egos, mas não constrói conhecimento.
É tempo de reaprender a escutar, estudar, ponderar, especialmente, diferenciar quem tem algo a dizer de quem apenas deseja ser ouvido.
*Jornalista profissional diplomado, editor do portal Do Plenário, escritor, psicanalista, analista sensorial, adesguiano, consultor de conjunturas e cidadão brasileiro protegido (ou não) pela Constituição Brasileira