
O Crédito do Trabalhador, lançado com o discurso oficial de “inclusão financeira” e “democratização do acesso ao crédito”, tem se revelado uma armadilha disfarçada de política social; uma autêntica arapuca. Nos primeiros cinco meses de operação, o endividamento dos trabalhadores que aderiram à nova modalidade de consignado saltou de R$ 18,4 bilhões em fevereiro para R$ 33,1 bilhões em julho de 2025, segundo o Banco Central, um aumento de quase 80%.
O dado, por si só, desmonta a retórica otimista do governo: o crédito não está servindo para substituir dívidas antigas por juros menores, mas para criar novas dívidas e ampliar a dependência financeira da classe trabalhadora.
A propaganda oficial vende a ideia de que o trabalhador formal agora pode acessar o crédito consignado com taxas mais baixas, usando o salário como garantia mas, na prática, o que se vê é o oposto. Os contratos firmados nessa modalidade têm apresentado taxas médias anuais de 58%, conforme dados divulgados por instituições financeiras e pelo Banco Central, percentual muito superior aos 36% anuais observados em consignados públicos e de servidores. Trata-se de um juro maquiado de benefício, cujo único resultado concreto é o aumento do lucro dos bancos e do endividamento dos assalariados.
O público atingido é justamente o mais vulnerável: trabalhadores com renda de até R$ 2 mil, baixa escolaridade e pouca estabilidade no emprego. Para muitos, o crédito consignado surge como uma tábua de salvação diante da alta do custo de vida, da inflação que corrói o poder de compra e da escassez de crédito pessoal. Mas, ao transformar o salário em garantia automática, o programa cria uma relação de servidão financeira. O desconto é feito direto na folha, antes mesmo de o trabalhador ver o dinheiro. Na prática, ele continua empregado, mas já trabalha para pagar o banco. É uma escravidão financeira moderna.
Engodo político

O engodo fica mais evidente quando se faz a conta do impacto sobre a renda. Imagine um trabalhador que ganha R$ 2 mil por mês e compromete 20% de sua renda, ou seja, R$ 400, em um empréstimo consignado com taxa de 58% ao ano (equivalente a cerca de 3,9% ao mês). Em um contrato de 24 meses, esse trabalhador tomaria aproximadamente R$ 6.700 de empréstimo e pagaria ao fim do período quase R$ 9.600. Em outras palavras, R$ 2.900 — o equivalente a mais de um mês e meio de salário — seriam pagos apenas em juros. Caso o contrato fosse estendido para 36 meses, o valor desembolsado ultrapassaria R$ 12 mil, quase o dobro do que foi tomado emprestado.
A lógica é cruel: o programa que prometia aliviar o orçamento do trabalhador acabou tornando-o prisioneiro de parcelas fixas e longas, reduzindo sua renda disponível e ampliando sua vulnerabilidade. O Banco Central reconhece, em seu relatório mais recente, que o crescimento dessa linha de crédito “sugere papel limitado da substituição de dívidas existentes”, ou seja, os novos empréstimos não estão sendo usados para quitar dívidas caras, mas para contrair novas obrigações. O resultado é um círculo vicioso de endividamento em que o salário se torna apenas uma ponte entre o trabalhador e o sistema financeiro.
O governo tenta apresentar números positivos: segundo dados oficiais, o programa já movimentou R$ 46,5 bilhões em empréstimos, beneficiando cerca de cinco milhões de pessoas. Mas os números, quando analisados de perto e com critério, revelam outra verdade: o crescimento acelerado se deu à custa da renda dos mais pobres, enquanto bancos e financeiras registram lucros crescentes. O modelo favorece o capital e amarra o trabalhador a um contrato em que ele paga mais do que recebe, mês após mês, sem sequer sentir o dinheiro passar pelas mãos.
Ativo bancário
A suposta “inclusão” que o programa traz é, na realidade, uma forma moderna de exclusão econômica. O trabalhador de baixa renda, já sufocado pela inflação, pelo desemprego intermitente e pela ausência de políticas de proteção, agora enfrenta um sistema que transforma sua folha de pagamento em ativo bancário. Em vez de autonomia financeira, o que se vê é subordinação permanente.
O Crédito do Trabalhador nasceu com o discurso da liberdade, mas entrega o oposto: a escravidão moderna do salário descontado na fonte, em nome de um progresso que só faz enriquecer quem empresta. O que deveria ser uma ferramenta de apoio virou uma arapuca institucionalizada, que alimenta a ilusão de poder de compra enquanto destrói, silenciosamente, a independência financeira da já combalida baixa renda.


