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quinta-feira, dezembro 5, 2024

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Minha Casa, Minha Vida e indenizações

Hugo Pellegrini

O Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV, instituído em 2009 por meio de Medida Provisória, posteriormente convertida na Lei 11.977/2009, visa garantir a todos os brasileiros o seu direito fundamental à moradia digna, por meio de “mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais” para famílias de baixa e média renda.

As faixas de renda familiar a que se destina o PMCMV, atualmente, se encontram divididas em 4 (quatro) “tetos” para cada uma das modalidades de operações, sendo que os modelos de faixa 1 (um) e de faixa 1,5 (um e meio) destinam-se àquelas famílias de menor renda. Os limites estabelecidos para o enquadramento nessas faixas são de até R$ 1.800,00 (mil e oitocentos reais) e R$ 2.600,00 (dois mil e seiscentos reais), respectivamente.

Foi justamente sobre os contratos firmados para a aquisição da casa própria via PMCMV e que foram previstos para essas duas faixas de renda que, em recente sessão de julgamento, o Superior Tribunal de Justiça analisou o alto grau de responsabilidade que o empresário assume perante essas famílias, concluindo pela necessidade de promover maior controle jurisdicional sobre tais contratações.

O entendimento pacificado na Corte Superior é no sentido de que, para haver a fixação de indenização por danos morais em favor dos adquirentes por conta de problemas na vigência do contrato que ensejam o reconhecimento de descumprimento pelo empreendedor – a exemplo, o atraso na entrega da unidade habitacional – deve também ser comprovado que o adquirente incorreu em uma situação extraordinária, que supera o mero dissabor decorrente desta frustração[1]. Ou seja, o mero descumprimento, por si só, não era suficiente para condenação por danos morais.

Os exemplos dos chamados fatos extraordinários que levam à necessidade de punição por danos extrapatrimoniais, porém, não são taxativos. Na prática, estes fatos se consideram caracterizados quando se comprova que a unidade habitacional foi entregue ao adquirente com vícios construtivos graves, ou que devido ao atraso na entrega do imóvel o adquirente foi obrigado a remanejar a sua programação de mudança após o seu casamento. Isso revela a importância da atuação do advogado, ao promover a descrição e comprovação dos fatos, correlacionando-os à correta fundamentação (valendo essa premissa para ambas as partes do litígio).

Todavia, especificamente para os contratos do PMCMV de faixas 1 (um) e 1,5 (um e meio), por meio do julgamento do Recurso Especial nº 1.818.391/RN, ocorrido no dia 10/09/2019, houve uma relativização do entendimento até então predominante, para condenar determinada construtora/incorporadora ao pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de danos morais, pautado, unicamente, na efetiva comprovação do descumprimento contratual. Não houve sequer debate acerca da demonstração de situação extraordinária, que superasse mera frustração.

O Superior Tribunal de Justiça, verificando a ocorrência de atraso superior a 12 (doze) meses na entrega do imóvel, consignou em sua decisão que “a postergação de uma realização de vida, a qual, no mais das vezes, é a mais significativa a ser alcançada por famílias de baixa renda” geraria um sentimento de frustração que, por si só, seria capaz de produzir “abalo psíquico em intensidade superior ao abalo decorrente do mero inadimplemento contratual”, ensejando a responsabilização da demandada pelos danos morais.

Considerando o entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça – que se mostra coerente, uma vez que a indenização por danos patrimoniais é suficiente para ressarcir os prejuízos decorrentes do eventual desatendimento ao contrato pela construtora/incorporadora – verifica-se que essa nova decisão revela sensibilidade da Corte Superior ao reconhecer que a comprovação da baixa renda no momento da contratação, por si só, justifica que o empresário se sujeite, nesse caso, ao pagamento de danos morais.

Isto porque, quanto ao adquirente de baixa renda, deve se considerar que o investimento por ele promovido para a compra de uma unidade habitacional envolve abster-se de diversos gastos que os demais adquirentes não se veem obrigados a abrir mão, como o lazer familiar. E isso, por si só, enquadra-se em uma situação extraordinária.

Fora isso, também deve ser considerado que os adquirentes de baixa renda, por suas condições financeiras, na maioria das vezes não possuem direito ao pleito de indenização material, por não possuírem os meios para a comprovação de que, por exemplo, teriam pago aluguel no período em que ocorreu atraso na entrega do imóvel. Diante disso, o arbitramento de condenações a título de danos morais acaba se revelando como a única forma de compensação.

Em verdade, tem-se que a conclusão extraída desse julgamento não é a alteração do entendimento pacificado de que o mero descumprimento do contrato pela construtora/incorporadora passará a ensejar danos morais. O que se configurou foi a fixação jurisprudencial de uma situação extraordinária que ensejará danos morais, ainda que o único debate do processo resida no descumprimento do contrato pela construtora/incorporadora, qual seja, a condição de baixa renda do adquirente.

Portanto, aqueles que empreendem no mercado por meio do PMCMV, diante da peculiaridade específica do adquirente neste negócio, deverão estar atentos a necessidade de agirem com maior cautela para que o contrato seja cumprido, sob pena de estarem expostos a relevantes indenizações que, até então, não eram arbitradas, aumentando o risco do negócio e tornando o papel da sua defesa mais difícil.

 

​Autor: ​Hugo Pellegrini é advogado da Área Corporativa do Marins Bertoldi Advogados.


[1] Confira-se: (…) A jurisprudência do STJ vem evoluindo, de maneira acertada, para permitir que se observe o fato concreto e suas circunstâncias, afastando o caráter absoluto da presunção de existência de danos morais indenizáveis. (…) Nesse contexto, deve-se identificar no caso concreto uma verdadeira agressão ou atentado à dignidade da pessoa humana, capaz de ensejar sofrimentos e humilhações intensos, descompondo o equilíbrio psicológico do indivíduo por um período de tempo desarrazoado. Em outras palavras, inadimplemento contratual não configura, necessariamente, dano moral, pois incapaz de agredir diretamente a dignidade humana.

(STJ, Terceira Turma, REsp 1.641.037/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgamento em 19/12/2016).

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