Ray Cunha
Advirto que a resenha a seguir nada tem a ver com personagens ou acontecimentos reais, inclusive a parte que fala sobre o Brasil. É tudo ficção.
Um dos maiores escritores policiais do mundo, o judeu-americano Harlan Coben, atualmente com 61 anos de idade, é conhecido como “o mestre das noites em claro”. Com efeito, devorei Apenas um Olhar (Arqueiro, Porto Alegre/RS, 2019, 425 páginas) em pouquíssimos dias, com tudo o que tenho para fazer e com algumas dezenas de páginas de linguiça. Mas até o embutido literário de Coben é digerível.
– Harlan Coben é mestre em prender a atenção do leitor e criar histórias surpreendentes. Ele vai seduzir você logo na primeira página só para chocá-lo na última – diz nada menos que Dan Brown, na quarta-capa do livro.
– O único motivo sensato para deixar este livro de lado é ir conferir se a porta de casa está bem trancada – registra a revista People.
– O livro tem uma premissa excelente e Coben faz um ótimo trabalho em deixar o leitor fascinado – segue-lhe The New York Times.
Coben já ganhou o Edgar Award, o Shamus Award e o Anthony Award, três dos principais prêmios literários americanos, e já vendeu mais de 70 milhões de livros em 44 idiomas.
Cursou Ciências Políticas e trabalhou com turismo, na empresa do avô. É um sujeito grandão, 1,93 – dez centímetros mais alto do que Ernest Hemingway. Não jogou boxe, como Hemingway; jogava basquete. Em 1990, aos 28 anos de idade, último ano na faculdade, percebeu que queria ser escritor, e estreia com o romance Play Dead (528 páginas). Em 2001, após a série Myron Bolitar, lança Não Conte a Ninguém, que virou filme e carro-chefe nas vendas.
Em seguida a Não Conte a Ninguém escreveu mais nove romances. Confie em Mim, lançado em 15 de abril de 2008, o colocou em primeiro lugar nos mais vendidos do New York Times Best Seller.
A personagem central de Apenas um Olhar é uma pintora conhecida, dona de casa, mãe de um casal de crianças, esposa de um pai amoroso e responsável: Grace Lawson. No passado, um estouro em um show de rock a deixou em estado crítico e do qual fica uma sequela física: ela é manca.
Um dia, Grace vai buscar um filme que mandara revelar e encontra, entre as fotos da família, uma que não deveria estar ali. Trata-se de uma foto antiga, retratando cinco pessoas, entre as quais um homem que se parece muito com seu marido, Jack Lawson.
Ela fica intrigada com aquilo e decide mostrar a foto ao marido. Ele nega que seja o jovem ali naquela foto. Depois, faz uma ligação, de mais ou menos nove minutos e desaparece, levando a foto. Grace entra em contato com a polícia, mas vê que dali não sairá coelho e então resolve investigar. Ela ama o marido, o quer de volta e intui que ele está correndo sério perigo. O ponto de partida é descobrir quem são as pessoas na foto.
A partir daí, Coben apresenta linha e agulha para costurar uma misteriosa colcha de retalhos. A trama só é entendida nas últimas páginas do livro. Para chegar à última página, o leitor faz qualquer negócio, inclusive digerir as páginas dos embutidos. Também as personagens são apagadas, com uma exceção: o assassino. Precisei de um pouco de paciência para ir até mais da metade do livro, quando começa uma ladeira, com alguns trechos de terra, rumo ao final.
Harlan Coben é um autor bom para os dias que correm no Brasil, rotineiros, quando tudo é previsível. Um punhado de senadores e deputados luta bravamente no Congresso Nacional para restaurar a democracia, seriamente lesionada por uma fauna cada vez mais vampiresca. Hienas, dragões-de-komodo, jacarés-açus e até dinossauro estão empenhados à caça de um homem.
Se ele for preso, sob uma acusação qualquer, mesmo que seja falsa, será um homem morto. É tão fácil matar um homem preso! Lembram o caso do espião russo fugitivo de Putin, Alexander Valterovich Litvinenko, em 2006, em Londres? Ele agonizou durante três semanas, envenenado com chá contendo polônio-210, em 1 de novembro de 2006, no luxuoso Millennium Hotel, no distrito londrino de Mayfair.
A agonia dele começou com dores no estômago. Nos dias seguintes, perdeu todo o cabelo e, em 23 de novembro, aos 43 anos de idade, morreu por falência múltipla de órgãos, no University College Hospital, em Londres. As investigações concluíram que o autor do assassinato de Litvinenko foi o ex-espião russo Andrei Lugovoy, a mando do governo russo.
Litvinenko dissera à polícia que o presidente russo, Vladimir Putin, ordenara pessoalmente sua morte. Litvinenko teria provas de ligações do Kremlin com a máfia russa. Ex-oficial russo naturalizado britânico, especializado no combate ao crime organizado, autor da frase “Estado mafioso”, em novembro de 1998, Litvinenko e vários outros oficiais do Serviço Federal de Segurança da Federação Russa (SFS), órgão de contraespionagem, contraterrorismo, controle aduaneiro, segurança interna, combate ao crime organizado e espionagem em países estrangeiros, acusaram superiores seus de ordenar o assassinato do oligarca russo Boris Berezovsky.
Litvinenko foi preso, mas conseguiu fugir com sua família para Londres, onde recebeu asilo político e começou a trabalhar como jornalista, escritor e consultor do MI6. Escreveu dois livros: Blowing Up Russia: Terror from Within e Lubyanka Criminal Group, nos quais denuncia atos de terrorismo e assassinatos para levar Vladimir Putin ao poder.
O Brasil está parecido com isso. O cão chupando manga verde no despautério do mundo.