RENATO RIELLA
Tenho enorme quantidade de coisas escritas, algumas muito legais. Se viver muito, vou lançar alguns livros. Se morrer antes, vai tudo para o lixo e a humanidade nem vai perceber.
Arrumando a papeleta ontem, me lembrei do Roberto. Era um amigo da minha namorada há quase 60 anos. Relativamente pobre, o cara magricelo de cabelos pretos humilhava a minha relativa riqueza.
Com grande dificuldade financeira, aos 19/20 anos, Roberto dominava o inglês, estudava Literatura na universidade federal e havia ganhado bolsa de dois anos nos Estados Unidos. Foi embora e nunca deu notícia. (ainda não havia Facebook!)
Eu, coitado, só tinha duas habilidades (até hoje): escrevia bem em jornal, desde os 17 anos, e jogava bola idem, em todos os campos da Bahia.
Tempos depois de Roberto ter partido para sempre, escrevi um poema.
Fazer poesia é esbravejar para si mesmo (palavras ao vento – adoro esta expressão).
Eis o poema, que um dia provavelmente vai para a lata de lixo:
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MUTANTE (Renato Riella)
Tive um amigo que viajou.
Há mais de um ano está fora.
Nem sei se morreu ou não,
mas morreu de qualquer jeito.
Morreu da mesma forma que eu,
o eu que vivia em mim há um ano.
Já tive amigos assim antes.
Quando voltam é o retorno de outra pessoa,
um possível novo amigo
para o novo eu.