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O que é risco existencial?

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*Davi Lago

A humanidade pode ser extinta por razões antropogênicas (causadas por ela mesma) ou não-antropogênicas (causas exteriores). Entre as razões não-antropogênicas estão fatores como: mudança climática natural, vulcanismo, impactos de asteroides, pandemias e todas as formas de desastres naturais. A peste bubônica (causada pela bactéria Yersinia pestis), por exemplo, dizimou grande parte da população europeia no século 14. Mas, de acordo com Nick Bostrom, diretor do Instituto para o Futuro da Humanidade, da Universidade Oxford, essas causas exteriores têm menor probabilidade de aniquilar a humanidade. A capacidade demonstrada pela raça de sobreviver aos infortúnios nos últimos milhares de anos é impressionante: de secas à enchentes, de predadores à terremotos. Desse modo, as principais instituições dedicadas ao estudo da viabilidade da vida humana, advertem que as maiores chances de destruição da humanidade são por razões antropogênicas. Como os atos humanos são nossos maiores riscos, é importante retomar o conceito de “risco existencial”.

No auge do combate aos nazistas, o comando científico do Projeto Manhattan – programa militar norte-americano responsável pelo desenvolvimento da bomba atômica – não tinha clareza se a arma teria efeito local, ou destruiria a atmosfera, os oceanos ou o mundo inteiro. Diante das incertezas acerca do alcance do dispositivo nuclear a equipe de cientistas liderada por Robert Oppenheimer estabeleceu as bases para o conceito de “risco existencial”. A ideia básica é estimar as possibilidades de destruição através de dois fatores: a severidade e o alcance. A severidade pode ser: imperceptível, suportável ou terminal. O alcance pode ser: pessoal, local, global ou transgeracional. O “risco existencial” está em toda atividade que conjugue severidade terminal e alcance transgeracional, ou seja, atividades capazes de extinguir a espécie humana.

Desde o advento das bombas termonucleares, já no período da Guerra Fria, surgiram vários grupos acadêmicos, culturais e civis com o objetivo de alertar a sociedade para os riscos fatais envolvidos nas novas tecnologias militares. Um dos pioneiros foi o Relógio do Juízo Final, elaborado pelo Boletim de Cientistas Atômicos da Universidade de Chicago: trata-se de uma metáfora onde a humanidade está a “minutos da meia-noite”, ou seja, da destruição completa por uma guerra nuclear. O número de minutos para a meia-noite – atualizado regularmente – é uma medida simbólica do estado geopolítico e das tensões militares envolvendo as potências nucleares. Nos últimos anos, com as tensões entre Estados Unidos e Coreia do Norte, ele avançou “vinte segundos” para a meia-noite.

Contudo, nem só de guerra nuclear se autodestrói a humanidade. Há outros riscos como: esgotamento de recursos minerais, hiperpopulação mundial e crise agrícola. O Centro para Estudo do Risco Existencial na Universidade Cambridge, por exemplo, estuda quatro riscos: tecnologias extremas, inteligência artificial, biotecnologia e mudanças drásticas causadas no meio ambiente por ação humana. Não se pode deixar de fora a possibilidade de acidentes e desastres com tecnologias experimentais. Temores sociais semelhantes ao período do Projeto Manhattan se formaram em torno do Grande Colisor de Hádrons, o maior acelerador de partículas do mundo, localizado num túnel de 27 km de circunferência entre a França e a Suíça: especulou-se que o acelerador poderia criar um buraco negro no planeta Terra. O renomado jurista Richard Posner, em sua obra sobre as catástrofes globais “Catastrophe: Risk and Response” (sem tradução para o português), destaca a necessidade da comunidade jurídico-política refletir sobre essas questões e apresenta uma estrutura de custo-benefício para lidar com esses desafios concretos – chamando atenção para o fato de que a má governança dos recursos é uma tragédia em si mesma.

O resultado dos conflitos do século 20 desmontou o sonho romântico de progresso que embalou a sociedade ocidental moderna. A lição é simples: infelizmente, os mecanismos de governança não se desenvolvem na mesma velocidade dos avanços técnico-científicos. Os riscos envolvidos especialmente na liderança pública, que vincula a totalidade das pessoas, exige dos governantes responsabilidade à altura. Os governantes do século 21 não estão desavisados: o conceito de risco existencial já é um senhor de oitenta anos.

* Davi Lago é ensaísta, pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia em São Paulo e autor da obra “Brasil Polifônico: Os evangélicos e as estruturas de poder”, publicada pela Editora Mundo Cristão.

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