Ray Cunha
Rachadinha, o furto do salário do assessor pelo senador, deputado ou vereador, ou qualquer bandido do colarinho branco, é uma indecência comum no Congresso Nacional, segundo a mídia. Até a mídia-carniça denuncia isso. Em TRÓPICO, recém-publicado, o conto O DEPUTADO é sobre isso:
O deputado parecia uma égua prenha de tão barrigudo. Acabara de comer de uma marmita de um quilo a mesma comida gordurosa que seu chefe de gabinete, e soltava pequenos arrotos em sequência.
– É pegar ou largar – disse para seu assessor de imprensa.
O caso era o seguinte: o deputado fora eleito líder da Minoria e colocaria seu assessor de imprensa lá, desde que ele concordasse em lhe repassar um terço do seu salário.
– Eu lhe dou a resposta, amanhã, deputado – disse o assessor de imprensa.
O deputado pensou um pouco.
– Está bem – disse. – Amanhã!
A esposa do deputado, que estava presente, disfarçava lixando as unhas, mas estava atenta ao diálogo. Era uma dessas mulheres fúteis, que passava a vida participando de festas com o único objetivo de aparecer nas colunas mundanas.
“Liderança da Minoria, meu Deus, onde fui parar” – pensava o jornalista, ao deixar o gabinete do deputado. “E ainda ter que continuar a dar o suor do meu rosto a esse depravado…” Ele sabia o que é que o deputado fazia, de vez em quando. Enquanto uma assessora dirigia seu carro, ele comia a outra no banco traseiro. Depois, a que acabara de ser comida ia ao volante enquanto a outra era papada. O deputado parecia um porco reprodutor. A mulher dele devia saber de tudo, mas não se importava. Certamente tinha seu pé de pano. “Bom, de qualquer forma tenho que dar uma resposta a esse filho de uma égua.”
No dia seguinte, o assessor de imprensa se apresentou ao novo líder da Minoria, para dar a resposta.
– Consegui um salário de 10 mil reais, mas tu vais repassar 5 mil para o Machado (o chefe de gabinete) e vais ter que atender ao gabinete e à liderança. Outra coisa: para de replicar matéria falando mal do Presidente. Vamos publicar no site somente matérias positivas, mostrando o crescimento do país. Que mania, só ver o lado ruim das coisas! Quero que tu cries um blog para mim e também quero ter um Twitter – disse o deputado, igual uma metralhadora.
O soco pegou-o na boca e ele caiu igual Silvio Berlusconi quando tomou aquela porrada… Levantou-se grogue. O chefe de gabinete, que também estava na sala, ficou amarelo.
– Filho duma égua, eis teu Twitter, ladrão do caralho. Acho que vou fazer teu parto, mensaleiro buchudo. Mete esse ultraje, que é a liderança da minoria, na flor do teu jardim de trás – disse o assessor de imprensa.
– Você não pode fazer isso – balbuciou o chefe de gabinete e levou um tabefe na cara.
Estavam somente os três homens no gabinete e um gabinete ao lado passava por reforma, de modo que o barulho na sala era abafado pela barulheira ao lado.
– E mais, patife, tu vais me pagar 24 mil reais, agora, referentes aos 1 mil reais que repasso todo mês, há dois anos. Agora! Anda, assinas o cheque! Tenho todos os recibos bancários dos depósitos na conta desta anta corrupta, aqui – disse, apontando para o chefe de gabinete. – Vamos! Vamos! Não há sobre o que pensar. Se não, vou rebentar com vocês. Tenho alguém no jornal O Estado de S.Paulo que publicará minha história com prazer, pois tenho documentos também daqueles favores que tu fizeste para o Sarnento Filho. Anda! Anda!…
“Ai, que alívio deixar esse esgoto” – disse o assessor de imprensa, de si para si. Do zebrinha ele via a Esplanada dos Ministérios, “capital da corrupção”. Com os 24 mil reais iria respirar um pouco em Salinópolis.