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O Rio de Janeiro é uma festa permanente

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RAY CUNHA

Paris é uma Festa é o único livro de memórias do romancista e contista americano Ernest Hemingway, que relata sua passagem por Paris, nos anos de 1920. A tradução do título em inglês, A Moveable Feast, seria “uma festa móvel”, pois o livro não retrata Paris, mas viver em Paris. Principalmente quando as personagens são, além do lendário Hemingway, Pablo Picasso, Ezra Pound, F. Scott Fitzgerald, Ford Madox Ford, John Dos Passos, James Joyce, Gertrude Stein etc. Certa vez, Hemingway disse em uma carta: “Se você tiver tido a sorte de ter vivido em Paris na sua juventude, então, aonde quer que você vá no resto da sua vida isso ficará com você, porque Paris é uma festa móvel”.

Ruy Castro e a Cidade Maravilhosa: se a conhecemos na juventude, ela estará conosco onde quer que estejamos

Agora, o jornalista Ruy Castro publica Metrópole à Beira-Mar – O Rio Moderno dos Anos 20 (Companhia das Letras, São Paulo/SP, 2022, 494 páginas). Enquanto Hemingway escreveu um livro de memórias sobre quando viveu na Cidade Luz, Ruy Castro escreveu a biografia de uma certa década na Cidade Maravilhosa, a cidade luz do trópico. Se escrever a biografia de uma pessoa é tarefa para pouquíssimos jornalistas, imagine a biografia de uma cidade. E não é qualquer cidade, porém a mais feérica do planeta.

Ruy escolheu a década definitiva da formação da identidade carioca, e, por extensão, brasileira. Até 1500, éramos uma nação tupi. Aí vieram os colonos portugueses e antes de findar o século XVI os tupinambás foram praticamente varridos da Baía de Guanabara, que é onde o Brasil começou a se formar. Com a instalação do Império de Portugal no Rio de Janeiro, no século XIX, o Brasil começou a configurar-se o mapa que assumiu hoje e nossa identidade cultural começou a se definir, o que se consumou nos anos 20, no Rio de Janeiro.

“Se você tiver tido a sorte de ter vivido em Paris na sua juventude, então, aonde quer que você vá no resto da sua vida isso ficará com você, porque Paris é uma festa móvel.” Não tive a sorte de viver em Paris na minha juventude, mas no Rio. Vivi lá de 1972 a 1974. Intensamente. Sempre que posso caio lá. E é como Hemingway disse, o Rio está em mim o tempo todo. Está em toda parte, pois ele simboliza a identidade dos brasileiros, nosso tropicalismo, nosso samba, nossa feijoada, o futebol, o carnaval, Copacabana.

Enquanto Hemingway reportou sua própria experiência em Paris, Ruy Castro fez o trabalho do jornalista: aproximar-se, o mais perto possível, da verdade. Ruy Castro é desses jornalistas que, ao trabalharem em uma biografia, tornam-se um perigo para a família, de modo que a esposa de alguém assim só não o deixa porque o ama, é claro, pois trata-se do tipo de jornalista que começa a viver e a sonhar com o objeto da biografia. No caso dos anos 20, no Rio, Ruy se transportou para eles, investigando tudo o que se passou e ouvindo o máximo de testemunhas.

É claro que toda biografia é seletiva e planejada, senão o trabalho de produção não acabaria nunca, já que o passado não existe, razão pela qual precisa ser recriado. Então, bastou a Ruy organizar o que de mais importante aconteceu naqueles anos em diversos setores de atividade. Um deles foi o literário. Aí, vemos que nos anos 20 o Rio de Janeiro já era o que é hoje: a cidade mais moderna do país, a cidade onde as coisas acontecem. Inclusive, Ruy prova por A mais B, a Semana de Arte Moderna de São Paulo foi uma espécie de eco do que era rotina no Rio de Janeiro.

Mas para escrever a biografia dos anos mais definidores de uma cidade é preciso que o biógrafo seja uma espécie de amante dessa cidade, além, é claro, de ser detetive e psicólogo de primeira linha. Também é fundamental que o biógrafo escreva bem para chuchu. Tudo isso Ruy Castro é; inclusive, carioca. Ele nasceu acidentalmente em Caratinga, uma cidade de Minas Gerais, em 26 de fevereiro de 1948, mas mudou-se ainda criança para o Rio de Janeiro, onde sua família já morava. Formou-se em Ciências Sociais na Faculdade Nacional de Filosofia, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mas nunca foi pegar seu diploma.

A partir de 1967, trabalhou em importantes jornais e revistas do Rio e São Paulo e em 1988 se torna escritor. Publicou O Anjo Pornográfico, biografia de Nelson Rodrigues, Estrela Solitária, de Garrincha, e Carmen, de Carmen Miranda, além de Chega de Saudade, sobre a Bossa Nova, Ela é Carioca, sobre Ipanema, e A Noite do Meu Bem, sobre o samba-canção. Etc.

Ruy se criou na Zona Sul do Rio de Janeiro, região que ele conhece como a palma da mão. Também conhecedor profundo da literatura brasileira e um dos jornalistas mais cultos do país, é inquieto e poderia ser um dos guias mais interessantes da Cidade Maravilhosa, pois frequenta dos sebos à Academia Brasileira de Letras (ABL), da qual é membro, e certamente sabe onde se come melhor e mais barato.

Fazendo um paralelo entre Hemingway e Ruy Castro, Hemingway era também como Ruy, só que recriava o que vivia, legando-nos monumentos como Adeus às ArmasO Sol Também se LevantaPor Quem os Sinos Dobram e O Velho e o Mar, para citar alguns dos seus livros. Ruy Castro vive o que recria, pois ele sabe o segredo, que o mergulho que damos ao passado é agora. Quanto ao Rio, é uma festa permanente.

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