Um grupo de 75 pesquisadores de instituições de 15 países identificaram que desigualdades socioeconômicas, poluição e disparidades de saúde estão associados a uma maior idade cerebral, especialmente nas populações da América Latina e Caribe. A pesquisa, que teve a colaboração da USP, usou o método dos “relógios cerebrais” (do inglês, “brain clocks”) para calcular, com base em dados de eletroencefalograma (EEG) e ressonância magnética funcional (RMf) de mais de cinco mil pacientes, a discrepância com a idade cronológica. Os fatores apontados pelo estudo podem levar a um envelhecimento cerebral acelerado e risco aumentado de doenças neurodegenerativas.
Os resultados da pesquisa são apresentados em artigo publicado no site Nature Medicine, no dia 26 de agosto. “Especificamente, o estudo buscou quantificar a lacuna de idade cerebral, medindo as discrepâncias com a idade cronológica dos participantes, a fim de entender melhor a saúde do cérebro”, explica ao Jornal da USP a neuropsicóloga Maira Okada de Oliveira, uma das pesquisadoras que assinam o artigo, da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). Foram analisados pacientes na Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru, Cuba, China, Estados Unidos, Escócia, França, Grécia Inglaterra, Irlanda, Itália e Turquia.
O estudo analisou a diversidade e as disparidades no envelhecimento cerebral e na demência em populações geograficamente diversas, usando o conceito de “relógios cerebrais”. “Os ‘relógios cerebrais’ servem como indicadores da saúde cerebral e podem refletir os efeitos de vários fatores, incluindo genética, estilo de vida e influências ambientais no envelhecimento”, relata a pesquisadora.
“O trabalho explorou a influência da diversidade, investigando como fatores geográficos, socioeconômicos, sociodemográficos, sexos e neurodegeneração afetam a lacuna de idade cerebral, especialmente em países da América Latina e do Caribe (LAC) em comparação com países de fora da região”, aponta Maira. “Também criou uma arquitetura de ‘deep learning’ que usa interações de alta ordem entre dados de ressonância magnética funcional (RMf) e eletroencefalograma (EEG) para prever lacunas e ser sensível aos impactos da diversidade”.
“Deep learning” é um tipo de aprendizado de máquina que usa algoritmos para processar e interpretar dados em profundidade. “Esse modelo foi desenvolvido para capturar a diversidade e as disparidades no envelhecimento cerebral e na demência em populações geograficamente diversas”, diz a pesquisadora da USP. “O estudo sugere que, ao integrar dados de diferentes regiões e contextos socioeconômicos, é possível criar ferramentas mais inclusivas e acessíveis para avaliar a saúde cerebral”.
Fatores de risco
De acordo com a neuropsicóloga, os pesquisadores identificaram fatores de risco associados ao comprometimento cognitivo leve (CCL), à doença de Alzheimer (DA) e à variante comportamental da demência frontotemporal (vcDFT), contribuindo para a caracterização e identificação da disseminação dos processos das doenças. “Esses objetivos visam não apenas aumentar a compreensão do envelhecimento cerebral, mas também fornecer ferramentas que possam ser utilizadas em contextos clínicos para melhorar a detecção e o manejo de doenças neurocognitivas”.
O estudo analisou 5.306 participantes, dos quais 2.953 passaram por ressonância magnética funcional (RMf) e 2.353 por eletroencefalografia (EEG), incluindo 3.509 pessoas saudáveis, 517 com CCL, 828 com DA e 463 com vcDFT. “A pesquisa verificou várias questões, entre elas a lacuna de idade cerebral, calculando a partir dos dados de RMf e EEG, a discrepância com a idade cronológica dos participantes”, descreve Maira. “A aplicação do modelo indica que os participantes da América Latina e Caribe apresentaram idades cerebrais mais velhas em comparação com os de outras regiões”.
Segundo Maira Okada de Oliveira, os pesquisadores recomendam que futuros trabalhos deveriam incluir mais variáveis, como identidade de gênero, status socioeconômico e estratificação étnica, para enriquecer a compreensão do envelhecimento cerebral em populações diversas. “A pesquisa sugere que, ao integrar dados de diferentes regiões e contextos socioeconômicos, é possível criar ferramentas mais inclusivas e acessíveis para avaliar a saúde cerebral”, afirma. “O uso de EEG, que é portátil e mais acessível em comparação com técnicas de imagem como RMf, facilitaria a implementação do modelo em ambientes clínicos, especialmente em regiões com recursos limitados”.
“No futuro, os modelos de lacunas de idade cerebral poderão ser utilizados para estabelecer protocolos globais para o envelhecimento e os transtornos neurocognitivos, permitindo uma abordagem mais personalizada no tratamento e na prevenção dessas condições”, ressalta a pesquisadora. “Essas estratégias contribuirão para a implementação prática dos ‘relógios cerebrais’ na clínica, melhorando a detecção precoce e o manejo de doenças neurodegenerativas”.
O artigo tem como primeiro autor Sebastian Moguilner, da Universidad Adolfo Ibañez (Chile), além de pesquisadores da Universidad de San Andrés (Argentina) e do Massachusetts General Hospital and Harvard Medical School (Estados Unidos). Na USP, o pesquisador principal foi o neurologista Leonel Takada, médico assistente do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (FMUSP). Também participaram Renato Anghinah e Luís Almeida Manfrinati, do Centro de Referência em Distúrbios Cognitivos (Ceredic) do HC.