O juiz da Terceira Vara da Fazenda Pública deu prazo de 30 dias para que o governo de Brasília-DF estruture a Secretaria de Estado da Mulher, com a consequente publicação do regimento interno do órgão, bem como apresente um planejamento de ações referentes à pasta, no qual constem programas, projetos e serviços em andamento e previstos para serem executados ao longo deste ano. A decisão é fruto de ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – MPDFT contra o DF, a fim de que o Poder Executivo local implemente a estruturação da citada secretaria, tendo em vista a garantia de dotação orçamentária para a pasta na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Segundo o MPDFT, em janeiro de 2019, o governo de Brasília, incluiu a Secretaria da Mulher do DF na estrutura organizacional da administração direta distrital, tendo nomeado a secretária que coordenaria o órgão, no mesmo ato. Em fevereiro daquele ano, o Núcleo de Gênero do MPDFT, com o objetivo de avaliar a implementação e efetividade das políticas públicas de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher no DF, verificou que, até então, o regimento interno da pasta não havia sido publicado. Em seu lugar, constaria o regimento referente à organização da gestão anterior, ato que previa a estruturação da Secretaria de Estado do Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos do DF, extinta após a mudança de governo.
O órgão ministerial destaca que, além de não apresentar estrutura organizacional estabelecida, a Secretaria da Mulher não conta com uma política pública de enfrentamento à desigualdade de gênero formulada, inviabilizada pelo diminuto orçamento que lhe foi destinado em 2020, o que acarreta prejuízos à sociedade ocasionados por tais omissões, diante do crescente índice de violência doméstica contra as mulheres, principalmente o feminicídio. O MPDFT elencou, inclusive, dados que comprovam que, entre 2016 e 2018, período em que estava em funcionamento a Subsecretaria de Política para as Mulheres, com estrutura e plano de trabalho definido, houve uma curva decrescente do número de casos de homicídio contra mulheres e feminicídio. Diferentemente dos anos de 2015 e 2019, quando esse indicativo foi crescente, o que, na visão do parquet, demonstra a importância de uma real e efetiva estruturação da pasta para salvaguardar as vidas de mulheres no DF.
Tendo em vista os argumentos apresentados, o magistrado ressaltou que não configura ofensa ao princípio da separação dos poderes a intervenção jurisdicional em situações excepcionais, quando a implementação das políticas públicas revelem-se indispensáveis à efetivação de direitos previstos na Constituição Federal. O julgador destacou que “a desigualdade de gênero e a discriminação contra as mulheres são questões que decorrem de uma relação histórica e cultural de poder e de dominação, objeto de diversos movimentos populares em todo o mundo há séculos, (…) atingindo todos os setores da sociedade e prejudicando suas próprias bases, independentemente de classe social, faixa etária, raça ou etnia, cultura ou religião”. Devendo-se, portanto, de acordo com o magistrado, que uma série de políticas específicas sejam formuladas e implantadas para a defesa da igualdade de gênero, a fim de garantir a isonomia, como prevê a lei.
A decisão observou, ainda, que no contexto da pandemia da COVID-19, por conta do isolamento social, pesquisas apontam que o número de casos de violência e de feminicídio aumentou nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba. Por outro lado, o Distrito Federal registrou uma diminuição nessas ocorrências, o que, na visão no juiz, decorre de uma subnotificação, causada por diversos fatores que dificultam a comunicação do ato delituoso. “Nesse panorama, a criação de Secretarias Especiais pelos Entes Federados para cuidar dos temas afetos à defesa dos direitos da mulher mostra-se extremamente relevante, notadamente para garantir a aplicabilidade da Lei Maria da Penha; ampliar, fortalecer e capacitar a rede de serviços para atender às mulheres em situação de vulnerabilidade e garantir o acesso aos mecanismos de segurança pública e à justiça”.
Dessa forma, o magistrado considerou que a importância da elaboração do regimento interno da Secretaria de Estado da Mulher revela-se pela necessidade de complementar o Decreto nº 39.610/2019, que a instituiu, atualizando-o de acordo com os projetos da atual gestão governamental e tornando públicas quais as competências da pasta, sua estrutura administrativa e as atribuições dos cargos comissionados e de natureza especial existentes. “Não se mostra razoável que o Governo Distrital crie uma secretaria e nomeie pessoa para exercer o cargo político correspondente, dispensando recursos públicos para mantê-la e para remunerar seus servidores, sem que se tenha conhecimento, especificadamente, sobre quais são suas funções e os instrumentos utilizados para a execução de suas atividades, de acordo com o projeto previsto pela gestão atual”, ponderou o julgador.
Por fim, na decisão, o juiz reforçou que é imprescindível que a coletividade, a qual depositou expectativas com a instituição do órgão, possa averiguar a qualidade dos serviços prestados e realizar o controle dos gastos do erário, ou seja, apurar o cumprimento da função pública, que deve ser regularmente instituída.
Caso não cumpra a obrigação, o ente público pode ser multado, em valor a ser estipulado judicialmente.
Cabe recurso.
PJe: 0702769-16.2020.8.07.0018