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sexta-feira, novembro 1, 2024

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JAMBU desperta perfume de jasmineiros chorando, na memória do coração

Ray Cunha

Macapá, a capital do Amapá, é uma cidade ribeirinha da Amazônia atlântica, na margem esquerda do estuário do maior rio do planeta, o Amazonas. Seccionada pela Linha Imaginária do Equador, os turistas ficam passando de um hemisfério para o outro. Nasci na Maternidade do Hospital Geral, na Avenida FAB, em 7 de agosto de 1954, e fui para casa, pertinho, na Rua Iracema Carvão Nunes com a Eliezer Levy, ao lado do Colégio Amapaense. Na época, só havia uma banda do colégio, e a casa onde eu morava era remanescente do antigo Aeroporto de Macapá, que ficava na hoje Avenida FAB.

Tinha 13 anos quando escrevi meu primeiro poema, que eu perdi. Foi para a Alcinéa Maria Cavalcante, a poeta que povoou o imaginário da minha geração. Aos 14, eu já bebia como adulto e frequentava a casa do pai da minha geração de escritores, o poeta e cronista Isnard Brandão Lima Filho, que vivia sempre cheia de artistas. Sua mãe, a pianista Walkíria Lima, nos recebia com amor. Bebíamos e fumávamos muito, e conversávamos sobre literatura, artes plásticas, música. O Isnard era bem informado e culto. Se fosse para o Rio de Janeiro, como costumam fazer artistas talentosos de todo o país, certamente seria, hoje, um poeta conhecido nacionalmente.

Quando o Olivar Cunha, meu irmão, expôs sua primeira individual de pintura, aos 16 anos de idade, na Associação Comercial e Industrial do Amapá, na Rua General Rondon com a Avenida FAB, foi uma farra. R. Peixe, Alcy Araújo, Isnard, o cronista Edevaldo Leal, o poeta Galego, Binga Monteiro, todo mundo caía lá, e a bebida rolava até de madrugada.

Eu curti muito a noite macapaense. Até hoje seu cheiro impregna a memória do meu coração. Tinha cheiro de jasmineiros chorando e das jovens da minha adolescência, eternamente lindas, pois todos os jovens são imortais. Em dezembro de 1971, Joy Edson (José Edson dos Santos), José Montoril e eu, todos com 17 anos, lançamos, também na Associação Comercial, XARDA MISTURADA, um livrinho de poemas sem consequência, mas que foi nosso batismo de fogo, como disse Isnard.

No ano seguinte, ainda com 17 anos, e eu não tinha nem carteira de identidade, peguei o rio e depois a estrada, virei beatnik. Até então Macapá era minha pátria. Fui de barco para Belém e de lá para o Rio de Janeiro, e depois continuei andando por aí, e isso durou dez anos. Hoje, moro em Brasília. Mas são minhas raízes de caboco da Amazônia que iluminam, como um farol, o mar da minha vida, nos momentos de tempestade, à noite.

Nós, escritores, recriamos, às vezes, as cidades que conhecemos melhor, pois não é possível conhecer inteiramente uma cidade. É que as cidades são como mulheres, um labirinto de mistério. De modo que, aqui e ali, recrio alguma coisa de Macapá nos meus romances, ou contos. Em A CASA AMARELA, por exemplo, o Trapiche Elizer Levy, o Macapá Hotel, os bailes na Piscina Territorial, estão todos lá.

Também recrio Macapá no romance JAMBU (Clube de Autores, 190 páginas, 50 reais), que será lançado em Macapá, nesta terça-feira 20, a partir das 18 horas, no Auditório do Senac, na Avenida Henrique Galúcio 1999, Centro, como parte das comemorações dos 70 anos da Academia Amapaense de Letras (AAL), fundada em 21 de junho de 1953.

Selecionei duas passagens de JAMBU em que recrio Macapá. A primeira é do Trapiche Eliezer Levy, que transportei para o Canal do Jandiá, no Pacoval: “De madrugada, o píer, de 472 metros, ladeado por embarcações, ao ritmo da maré cheia, lembrava uma avenida nascendo na escuridão do Rio Amazonas, até a marina do Lago do Pacoval, no Canal do Jandiá.

“O Hotel Caranã emergia de dentro do bosque, na faixa de terra entre a marina e a Rodovia Pacoval, como um ninho de cupim de sete pavimentos, numa simbiose com a floresta, prova de que a tecnologia pode conviver harmoniosamente com a vegetação, sem feri-la, mas unindo-se a ela e passando a fazer parte daquele ecossistema, ajudando-o a defender-se do inchaço da favela que se espraiava desordenadamente nas cercanias. Sentia-se o tumor latejando na margem da BR-156, a população avançando em a natureza, sem contar com nenhum metro de galeria de esgoto, nem de águas pluviais.

“Assim, o hotel era a garantia de que o bosque que o rodeava não seria torado e transformado em carvão, e de que da terra nua não vicejaria um desses conjuntos residenciais de casinhas populares nascidos da corrupção, sem infraestrutura básica, sem sequer um arbusto remanescente em sinal de arborização.

“Macapá, a mais emblemática cidade da Amazônia, era uma miragem que vai se materializando na medida em que o sol de julho começa a se levantar do outro lado do Canal do Norte, na cabeceira da Linha Imaginária do Equador, gigantesca bola de rubi transmutando-se em ouro, materializando-se igual mulher que emerge do mergulho, respingando água. Seu nome vem do tupi, “macapaba”, “lugar de muitas bacabeiras”, palmeira nativa da região, de fruto, a bacaba, gerador de suco delicioso, quase tanto quanto açaí, este, de grande significado para os amapaenses, que já foram paraenses, pois o estado do Amapá é um naco do estado do Grão-Pará, e os parauaras são os mais ávidos tomadores de açaí da face da Terra”.

Também modifiquei o famoso Gato Azul, na Rua São José com a Avenida Presidente Vargas: “Fechado por vidraças que permitiam visão apenas de dentro para fora, com temperatura ambiente de 21 graus e variedade internacional de bebidas, o bar constituía-se no melhor refúgio da cidade.

“Era possível encontrar nas suas confortáveis cadeiras de palinha e poltronas, de senador da República a contrabandistas e traficantes. Jornalista, então, dava no meio da canela. João do Bailique gostava de passar por lá geralmente naquele momento de transição entre a tarde e a noite, procurava a extremidade sul do balcão e pedia diretamente ao barman, Antônio, um “espilantol”.

“Era como denominava o daiquiri, coquetel cubano feito com rum, suco de lima, açúcar ou xarope e gelo picado, agitados na coqueteleira e servido em um copo grande; o de Bailique lembrava um pouco o Daiquiri Hemingway, ou Papa Doble, criado no Bar Floridita, em Havana, Cuba, especialmente para o escritor americano Ernest Hemingway, que morou em Havana boa parte de sua vida; Papa era diabético e seu daiquiri não continha açúcar, e era servido com o dobro de rum, Bacardi.

“Além disso, o de Bailique era com suco de limão. Antônio lhe estendeu a bebida e o jornalista deu o primeiro gole, e veio-lhe a velha sensação que lhe despertava o tacacá da Esmeralda, naquele momento em que a tarde morre, anestesiando o calor, perfume de jasmineiros se insinuando, e um remoto som de merengue.

“Bebeu mais um gole. A edição de agosto da Trópico Úmido já estava praticamente editada. Bailique vinha trabalhando, intensamente, na matéria da Operação Prato, que começara a tomar corpo após longas conversas com Danielle, intensa pesquisa e uma entrevista com o escritor Jorge Bessa.

“Estava investigando ângulos da Operação Prato que não foram abordados pela mídia: Existem mesmo ETs? Se existem, quem são, de onde vêm? Por que se interessariam pela Amazônia? Estariam os ETs emitindo sinais de que a Amazônia está guardada para um fim maior?

“Sabe-se que o Brasil é visto nos meios exotéricos como o país mais avançado em termos espirituais: abriga todas as grandes religiões do planeta, além das dos índios e as africanas; e é um cadinho étnico. E a Amazônia, a maior floresta tropical do globo, a maior diversidade biológica da Terra, a maior província mineral do planeta, é a última fronteira, ambicionada por todos e sugada até o osso pelos governos que se sucedem em Brasília”.

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