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sexta-feira, novembro 1, 2024

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Impacto do uso de maconha na memória episódica

Recentemente, um caso intrigante chamou a atenção de neuropsicólogos em Portugal. João (nome fictício), um jovem de 23 anos, relatou uma perda total de memória episódica referente ao ano de 2023. O caso foi inicialmente considerado como amnésia dissociativa, mas o uso de maconha no final de 2022 levantou novas hipóteses sobre a causa do problema.

Para entender melhor os possíveis impactos da maconha na memória, consultamos o doutor Fabiano de Abreu Agrela, membro da Royal Society of Biology no Reino Unido e especialista em neurociências que esteve na investigação do caso. Segundo ele, a situação de João não é incomum e pode ser explicada por uma combinação de fatores genéticos e ambientais.

A Maconha e o Sistema Endocanabinoide

“A maconha contém tetraidrocanabinol (THC), que se liga aos receptores canabinoides tipo 1 (CB1) no cérebro. Esses receptores estão concentrados em áreas cruciais para a memória, como o hipocampo e o córtex pré-frontal”, explica Fabiano. “Quando o THC interage com esses receptores, ele pode alterar a plasticidade sináptica e a neurotransmissão, resultando em problemas na formação e recuperação de memórias.”

O sistema endocanabinoide modula a liberação de neurotransmissores como glutamato e GABA, que são vitais para a plasticidade sináptica e a memória. “O glutamato é um neurotransmissor excitador essencial para a formação de memórias. Alterações na liberação de glutamato, causadas pela interação do THC com o sistema endocanabinoide, podem comprometer essa capacidade”, ressalta Fabiano.

Predisposição Genética

Além dos efeitos diretos da maconha no cérebro, a predisposição genética também desempenha um papel crucial. Polimorfismos em genes relacionados ao sistema endocanabinoide, como o CNR1 (que codifica os receptores CB1), podem modificar a sensibilidade aos canabinoides. “Variantes específicas do gene FAAH, que codifica a enzima responsável pela degradação do endocanabinoide anandamida, podem afetar os níveis desses compostos no cérebro, alterando a modulação sináptica e, consequentemente, a função cognitiva”, explica o especialista.

Fatores Ambientais

O ambiente em que João vive também pode ter contribuído para a perda de memória. Estresse, possíveis traumas, uso excessivo de telas e a qualidade do sono são fatores que interagem com o uso de maconha, potencializando seus efeitos negativos. “O estresse crônico e a falta de sono são conhecidos por afetar a memória e podem agravar os efeitos do THC no cérebro”, comenta.

Regiões Afetadas

Os efeitos da maconha se manifestam principalmente no hipocampo e no córtex pré-frontal, áreas críticas para a memória. O hipocampo é essencial para a formação e recuperação de memórias episódicas, enquanto o córtex pré-frontal é responsável por funções executivas e memória de trabalho. “A amígdala, envolvida no processamento emocional, também pode ser indiretamente afetada, influenciando a memória emocional e a resposta ao estresse”, acrescenta Fabiano.

O caso de João ilustra como o uso de maconha pode impactar negativamente a memória episódica através de mecanismos complexos envolvendo o sistema endocanabinoide, neurotransmissores, predisposição genética e fatores ambientais. “É essencial adotar uma abordagem multidisciplinar para entender e tratar problemas de memória associados ao uso de substâncias. A pesquisa contínua é crucial para elucidar os mecanismos subjacentes e desenvolver estratégias eficazes de intervenção”, conclui Fabiano de Abreu Agrela.

Este caso destaca a importância de uma compreensão profunda dos fatores biológicos e ambientais que influenciam a saúde mental e cognitiva, particularmente em um contexto de uso crescente de substâncias como a maconha.

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