A “família” dos queijos mineiros, que é celebrada nesta terça-feira (16/5), o Dia dos Queijos Artesanais de Minas Gerais, deve ganhar um novo integrante. O Governo do Estado trabalha para que o Vale do Jequitinhonha receba, nos próximos meses, o reconhecimento de uma variedade da iguaria, o Queijo Cozido, ainda não legitimado por nenhuma instância governamental no Brasil. Com modo de fazer tradicional e características sensoriais próprias, o produto, quando formalmente identificado, caminhará para a agregação de valor e o comércio legal em outras regiões fora do Nordeste mineiro.
Os trabalhos para a identificação do Queijo Cozido começaram com uma visita de equipes da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa) e da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG) aos produtores dos municípios de Rubim, Almenara, Salinas e Araçuaí em março deste ano. Na oportunidade, foram discutidas possibilidades, desafios e potencialidades para o alimento típico jequitinhonhense.
“O reconhecimento, a promoção e a valorização desse queijo é fundamental para incentivar a produção sustentável, o consumo consciente e o respeito ao meio ambiente. Assim, contribuímos para gerar renda, auxiliar na diminuição das desigualdades sociais e erradicar a pobreza, problemas históricos na região, de forma alinhada com os objetivos de desenvolvimento promovidos pela ONU”, reflete o superintendente de Abastecimento e Cooperativismo da Seapa, Gilson de Assis Sales.
Atualmente, o grupo atua na elaboração de uma nota técnica, que culminará na publicação do reconhecimento em um futuro breve. A Emater-MG estima que aproximadamente 450 famílias produzam o Queijo Cozido em 24 municípios do Vale do Jequitinhonha.
Modo de fazer
Produzido há várias gerações no Nordeste mineiro, o Queijo Cozido é feito exclusivamente com leite de vaca. A partir da adição do soro fermentado e coalho ou coagulante, tem uma coagulação por geleificação, o que provoca mudanças na estrutura da caseína – uma proteína de alto valor biológico presente no leite -, e transforma-se em uma coalhada com a aparência de gel.
As próximas etapas da produção são a mexedura e o aquecimento. A coalhada tem a sua massa dividida com pás, o que aumenta a expulsão do soro e faz com que os grãos diminuam em volume e aumentem em densidade. Nessa fase, é adicionada água quente. Obtido o ponto da massa, tem início o processo de fermentação, com duração de duas a quatro horas. Por último, o queijo é moldado manualmente, em formato de bolas, nós ou tranças. A salga utilizada é em salmoura e o consumo se dá com o produto fresco.
Uma curiosidade sobre o processo de fabricação do Queijo Cozido é que os mestres queijeiros costumam usar o soro excedente no processo para a engorda de porcos em suas pequenas propriedades rurais ou devolvem esse subproduto para que os fornecedores de leite o aproveitem para o mesmo fim.
“O reconhecimento do Queijo do Vale do Jequitinhonha é mais um elemento para mostrar à sociedade as diversas riquezas socioculturais da região”, aponta o gerente de Certificação do IMA, Rogério Fernandes.
Tradição
O produtor rural Genilson Moreira, de 51 anos, morador de Rubim, conta que a a família dele e outras do Jequitinhonha produzem o queijo há décadas. “Meu avô fazia, meu pai fazia, eu faço desde que me entendo por gente. Só esse nome, de Queijo Cozido, existe aqui na cidade e na microrregião há quase um século. Tem um monte de queijarias que fazem, é tipo um muçarela artesanal, só que mais gostoso, e o jeito de fazer é um só para todos nós”, relata.
Segundo Genilson, a expectativa pelo reconhecimento, entre os produtores regionais, é de valorização dos produtos e visibilidade. “Nós aqui somos conhecidos pela cultura, mas somos carentes de desenvolvimento industrial. Então, queremos mostrar o nosso queijo, que é de muita qualidade, já conhecido comercialmente como um bom queijo, e desenvolver os nossos laticínios. E acredito que vai ser bom para Minas Gerais também, ter mais esse filão de queijos no estado”, diz.
Formalização
O reconhecimento de variedades dos queijos artesanais e da caracterização das regiões produtoras, em Minas, é uma prerrogativa do Estado. Para isso, a Seapa e as suas vinculadas, a Emater-MG, a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) e o Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) seguem um protocolo de ações.
O assistente técnico de Ciência e Tecnologia de Laticínios da Emater-MG, Erik Flores, descreve as funções da empresa junto aos mestres queijeiros. “No dia a dia, nosso trabalho é bem específico, de apoiar os produtores rurais na produção, dando assistência em boas práticas agropecuárias e boas práticas de fabricação do queijo e do leite, nesse caso dos queijos artesanais. O objetivo é que eles fabriquem com qualidade sanitária cada vez melhor”, explica. Também cabe à Emater o levantamento histórico da produção, que irá fundamentar a caracterização das regiões produtoras, e oferecer assistência técnica aos produtores.
À Epamig, cabem pesquisas sobre a segurança no consumo desses produtos ou a validação de estudos realizados por instituições parceiras. E, ao IMA, a publicação das portarias, normativas e regulamentos, que abrirão portas para o mercado formal. Já a Seapa tem o papel de coordenar todo o processo, além de elaborar políticas públicas de valorização e promoção do queijo.
O Sistema Estadual da Agricultura, por meio da identificação desses produtos e seus modos de fazer, pode auxiliar os serviços de inspeção municipais a elaborarem regras próprias para o comércio e a fiscalização dos queijos.
Avanços
Desde 2019, o Governo de Minas caracterizou três novas regiões como produtoras de queijos artesanais: Alagoa, Mantiqueira e Jequitinhonha, esta última como produtora da variedade Cabacinha. Além delas, três regiões foram caracterizadas, no período, como produtoras de Queijo Minas Artesanal, sendo elas Serras da Ibitipoca, Diamantina e Entre Serras da Piedade ao Caraça. Atualmente, o estado soma 15 regiões produtoras de todos os tipos de queijo artesanal formalmente reconhecidos.
Além disso, na vanguarda brasileira, o Estado reconheceu, em dezembro de 2022, o Queijo Minas Artesanal na variedade de Casca Florida (QMACF). A resolução considera como casca florida a cobertura com presença ou dominância visualmente constatada de fungos filamentosos, popularmente chamados de mofos ou bolores. Nenhuma outra unidade federativa possui regimentos específicos para produtos artesanais com essa característica.